Título: Educação: 4 estados não investem como manda lei
Autor: Weber, Demétrio, Francisco, Paulo
Fonte: O Globo, 22/06/2009, O País, p. 8

MEC revela também que 165 municípios descumprem Constituição; Santana do Matos (RN) gasta só 2,06% do orçamento

BRASÍLIA e SANTANA DO MATOS (RN). Todas as manhãs, caminhões circulam pelas principais ruas de Santana do Matos, no sertão do Rio Grande do Norte, transportando na carroceria crianças e adolescentes para as 19 escolas da rede municipal de ensino. Os moradores já estão acostumados com a irregularidade, já que o município não possui transporte escolar. Além disso, boa parte das escolas está caindo aos pedaços e há até buracos nos pisos das salas.

Santana do Matos, a 190 quilômetros de Natal, com 15 mil habitantes e 2.400 alunos, é o município do país que menos investe em educação, de acordo com levantamento do Ministério da Educação (MEC) concluído na semana passada. Pela Constituição, estados e municípios são obrigados a aplicar 25% de sua receita no ensino. Santana do Matos gasta só 2,06%, segundo o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope).

É por isso que na creche Almira Melo, onde são atendidas 245 crianças, a diretora Ana Lúcia dos Santos reclama da falta de refeitório, da péssima iluminação e do parquinho que foi interditado porque a madeira apodreceu. Numa das salas, um buraco é visível e já apareceu até cobra, segundo Ana Lúcia:

- As crianças aqui comem na sala de aula mesmo e não têm espaço para recreação. Depois de muitos pedidos, só agora vieram cortar o mato.

O balanço do MEC, com dados de 2008, revela que quatro governos estaduais e 165 prefeituras aplicaram menos de 25% de sua receita em educação, contrariando a Constituição. Estão na lista os governos do Rio Grande do Sul (18,44%), da Paraíba (23,11%), de Sergipe (24,20%) e de Mato Grosso (24,79%), que negam a irregularidade. Entre os 165 municípios, quatro são do estado do Rio: Mesquita (21,73%), Valença (23,24%), Japeri (23,73%) e Itaguaí (23,97%).

Mais de mil municípios não transmitiram dados ao MEC

O Siope é alimentado diretamente por estados e municípios. Mas isso não significa que eles concordem com os resultados. Tanto que o sistema já é alvo de ações na Justiça. As divergências giram em torno da fórmula usada para calcular os índices e dos itens classificados como gastos em educação.

Os 165 municípios em situação irregular, segundo o Siope, correspondem a 3% do total de 4.464 prefeituras que já prestaram informações. Mais de mil municípios ainda não transmitiram dados ao MEC. Seis estados estão na mesma situação: Minas, Paraná, Alagoas, Goiás, Rondônia e Roraima.

O quadro revelado pelo Siope impressionou o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Carlos Eduardo Sanches, que é secretário municipal de Castro, no Paraná:

- É difícil entender: para onde estão indo os recursos? Investimento menor do que 25% é resultado da má gestão. A gente só vai melhorar a qualidade da educação quando houver mais dinheiro. Mas também é preciso melhorar a gestão.

Ele ressalva, porém, que índices tão abaixo dos 25%, como em Santana do Matos, podem ser resultado de erro de informação. Independentemente disso, o município tem um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) abaixo da média nacional: na escala até dez, Santana do Matos tem Ideb de 3,2 da 1ª à 4ª série do ensino fundamental, ante 4,2 da média nacional. Nas turmas de 5ª a 8ª série, seu Ideb é ainda pior: 2,3.

Das dez cidades com menores índices de investimento em ensino no Siope, sete têm Ideb abaixo da média nacional de 1ª a 4ª série. O mesmo ocorre com seis delas nas escolas de 5ª a 8ª série.

Para a Unesco, falta compromisso com educação

Os gastos abaixo do exigido pela Constituição preocupam a Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura (Unesco).

- Isso mostra um frágil compromisso com a educação, num momento em que a sociedade brasileira se mobiliza para evoluir e atingir metas - diz o consultor em educação da Unesco no Brasil, Célio da Cunha.