Título: Perda trilionária nas exportações
Autor: Nogueira, Danielle; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 22/06/2009, Economia, p. 15

Volume mundial encolherá US$4 trilhões, segundo estimativas. Protecionismo agrava cenário.

Arecessão internacional, aliada à queda dos preços dos produtos, fará com que as exportações mundiais encolham quase US$4 trilhões este ano, segundo estimativas da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). A cifra - pouco superior ao tamanho da economia alemã - representa um tombo de 25% em relação aos US$15,8 trilhões exportados em 2008, fazendo com que o mundo volte ao patamar de 2006, quando as vendas externas dos países alcançaram US$11,9 trilhões.

Na avaliação de especialistas, a recente onda de protecionismo só tende a agravar a situação e pode se tornar uma trava para a recuperação da economia global, e mesmo para a do Brasil. Embora seja difícil dimensionar o real efeito dessas restrições sobre o comércio, os organismos internacionais acompanham de perto o movimento. De setembro passado - quando a crise financeira internacional se aprofundou - a maio deste ano, o Banco Mundial (Bird) identificou 89 medidas protecionistas adotadas por vários países, contrariando o discurso pró-liberalização que aponta a abertura comercial como solução para a turbulência.

Novos dados devem sair esta semana. Espera-se que a Organização Mundial do Comércio (OMC) divulgue seu novo relatório sobre protecionismo na reunião anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a ser realizada em Paris amanhã e quarta-feira. Se no último documento, de abril, os destaques foram as medidas de proteção aos setores siderúrgico, automobilístico e de calçados, desta vez, as barreiras para conter a gripe N1H1 devem receber mais atenção.

Para a balança comercial brasileira, no entanto, o maior impacto das ações protecionistas deve continuar a ser sentido nos itens manufaturados. De janeiro a maio, nossas exportações caíram 22,9% em relação a igual período de 2008, resultado da queda de demanda externa, da valorização do real e do protecionismo. O desempenho das vendas de produtos manufaturados foi ainda pior: queda de 31%.

- Aparentemente, o protecionismo não foi prejudicial como imaginávamos no início. De qualquer forma, é algo preocupante - diz o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Brasil elevou tarifas para produtos siderúrgicos

O Equador, que aumentou suas tarifas de importação com a benção da OMC, já vem causando prejuízo aos fabricantes de celulares do Brasil. Em cinco meses, as vendas para o país foram reduzidas em 72,84%, para US$8,7 milhões. Ao longo de 2008, as exportações do produto - que sempre foi o principal item comprado pelos equatorianos do Brasil - haviam crescido 798%. O aumento das alíquotas, de 15% para 35%, foi anunciado em fevereiro. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) estima que um milhão de celulares deixarão de ser exportados para o país.

O Brasil também perdeu mercado nos EUA, na União Europeia, na Venezuela e na Argentina. O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, estima que as medidas protecionistas adotadas por esta última causarão perda equivalente a 14% das exportações àquele país, ou US$2,5 bilhões de um total de US$17,605 bilhões em 2008. Entre as medidas estão cotas para importação de calçados e atraso na liberação de compra em 37 setores, entre eles móveis e brinquedos.

Diante desse cenário, a Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq) projeta queda de US$15 milhões em seus embarques para o vizinho. O presidente da entidade, Synésio Batista, afirma que esse tipo de procedimento vem ocorrendo no mundo inteiro:

- Inúmeros países adotaram medidas de ajuda ao setor. Os indianos radicalizaram - diz Batista, que afirma que a Índia proibiu 100% das importações de brinquedos.

Embora o protecionismo seja um componente de efeito limitado sobre a queda das exportações mundiais este ano - a primeira desde 2001 - o economista-chefe da Funcex, Fernando Ribeiro, alerta que ele poderá se tornar um obstáculo para a retomada da economia internacional.

- Desmontar a estrutura de proteção que está sendo construída pode ser difícil, o que vai atrapalhar o processo de recuperação - afirma Ribeiro, para quem a tendência protecionista deve se manter até 2010.

Do relatório da OMC que deverá ser divulgado esta semana, é provável que conste a decisão do governo brasileiro - anunciada este mês - de elevar a tarifa de importação para produtos siderúrgicos para até 14%, além dos recentes subsídios às exportações de lácteos pelos EUA e pela União Europeia. No caso brasileiro, porém, trata-se de um retorno às alíquotas que vigoravam em 2005, quando, para atender à demanda interna de aço, o governo zerou as tarifas. O máximo permitido pela OMC é 35%.

Setor eletrônico defende acordos fora do Mercosul

O aumento das alíquotas se dá justamente numa situação inversa à vivida há quatro anos. Hoje, há queda de demanda e ações de outros países para estimular suas vendas externas. Por exemplo: há duas semanas, a China elevou o desconto do imposto de exportação do aço. O movimento preocupa o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS).

- As exportações chinesas para a América Latina cresceram 50% no primeiro quadrimestre de 2009, enquanto as exportações brasileiras para a região caíram 63% - compara o vice-presidente-executivo do IBS, Marco Polo.

Para Maria Teresa Bustamante, diretora da Eletros - que representa os setores de eletrônicos e eletrodomésticos -, ainda que haja o recrudescimento do protecionismo no mundo, o momento é adequado para que se adotem políticas comerciais claras. Ela defende que, sem a conclusão da Rodada de Doha - como são chamadas as negociações da OMC para liberalização do comércio - o Brasil deveria fechar mais acordos comerciais, independentemente do Mercosul. Hoje, um sócio do bloco não pode firmar tratado em separado dos demais.

- Estamos engessados pela camisa-de-força do Mercosul que, internamente, está sem segurança - afirma Maria Teresa.