Título: Grupo dos 20 à beira da decepção
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 02/04/2009, Economia, p. 14

Divergências entre países desenvolvidos e economias emergentes no combate à crise mundial indicam que o encontro não será bem-sucedido.

Os líderes políticos do G-20, grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo e a União Europeia, se encontrarão hoje em Londres com uma ambiciosa missão: encontrar uma fórmula para tirar o mundo da mais grave crise econômica desde os anos 1930 e refundar as bases do capitalismo globalizado. A tarefa, entretanto, tem tudo para ser malsucedida. Em vez de união, a tônica do encontro será o desentendimento. Os países emergentes divergem dos desenvolvidos, que não se entendem entre si. São mínimas as chances de a cúpula resultar na adoção de medidas concretas e imediatas no combate à recessão, criação de uma nova ordem financeira ou avanço na liberalização comercial.

Na tentativa de manter as aparências, o encontro deve terminar com a divulgação de uma espécie de carta de princípios, com até 25 pontos genéricos sobre os estímulos à retomada de crescimento, uma condenação apenas formal ao protecionismo e a esperança de recuperação a partir de 2010. Esse texto foi negociado nas últimas semanas pelas equipes econômicas dos países, que pouco fizeram desde a reunião de ministros da Fazenda do G-20 em Washington, em novembro de 2008. ¿Não deixa de ser uma ocasião para debater alguns pontos da agenda para o crescimento mundial. Mas nenhuma proposta concreta vai ser aprovada¿, afirmou o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.

Na visão de Lacerda, esse primeiro passo em direção a um acordo global deveria ter sido dado há um ano e meio, quando os sinais da crise surgiram. ¿Os governos viram a crise crescer e não amadureceram o debate sobre uma ação mais coordenada. Nem mesmo sobre a regulamentação do setor financeiro deve haver avanço significativo em Londres. Esse tipo de acordo pressupõe entendimento e o que há hoje é o contrário: desentendimento¿, afirmou. Ele ressaltou a falta de debate prévio para a cúpula, que contrasta com os dois anos de discussão anteriores à Conferência de Bretton Woods, que reorganizou a economia após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Brigas As divergências são muitas entre os países do G-20, que respondem por 88,7% da economia mundial. Os governos da França e da Alemanha acreditam que já fizeram esforços demais para debelar a crise e descartam novos pacotes. ¿No estado atual das discussões, as medidas não convêm nem à Alemanha nem à França¿, disse ontem o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que ameaçou faltar ao encontro. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pressiona por mais estímulos fiscais e obras públicas. Ontem, ele tentou amenizar as brigas. ¿As diferenças entre os líderes do G-20 foram imensamente superestimadas. Devemos coordenar nossas ações e focalizar os pontos em comum, não nas divergências ocasionais¿, disse ao lado do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.

Os países em desenvolvimento reforçaram o G-20 como fórum de debate, em detrimento do G-7, que é formado apenas pelos sete mais industrializados. Entre outras coisas, os emergentes querem a retomada da Rodada Doha de liberalização do comércio e a rejeição de medidas protecionistas. ¿Deve haver uma declaração formal contra o protecionismo. Mas será a 57ª. As nações ricas farão tantas quantas os emergentes quiserem, mas sem nenhum efeito prático¿, disse o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Ricupero, ex-ministro da Fazenda, acredita que se formou uma expectativa excessiva em torno da cúpula.

Para o embaixador, é pouco provável que os participantes levem a sério a intenção de regulamentar o setor financeiro, especialmente os fundos de investimento especulativos (fundos de hedge), as demais entidades não-bancárias e os instrumentos do mercado futuro. A tarefa deve ser delegada a cada país. O ponto da pauta que mais deve se aproximar de um consenso é a multiplicação por três do orçamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), que passaria a ter US$ 750 bilhões para emprestar a países com problemas no balanço de pagamentos. Ainda assim, os emergentes só aceitam pôr a mão no bolso se tiverem mais voz nas decisões do órgão.

Em entrevista conjunta com Sarkozy, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticamente enterrou o encontro, antes mesmo de a primeira palavra ser proferida. ¿Não queremos assumir a responsabilidade de uma reunião fracassada. Vamos ter que restabelecer o crédito no mundo¿, disse. Para evitar o total fracasso, os líderes devem concordar em fazer declarações genéricas condenando a existência dos paraísos fiscais e o pagamento de bônus a executivos de instituições financeiras quebradas. ¿Nenhuma reunião diplomática reconhece que fracassou. Mas a cúpula do G-20 não deve dar em nada significativo¿, concluiu Ricupero.