Título: Defesa do Senado
Autor:
Fonte: O Globo, 17/06/2009, O Globo, p. 6

Quando passou pela Casa na condição de representante do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro definiu o Senado como o "céu". Com uma vantagem: "Não é preciso morrer para estar nele." A tirada de Darcy entrou para o folclore e passou a constar da lista de frases do antropólogo. Só não se podia imaginar que, tempos depois, parlamentares e funcionários da instituição dariam uma interpretação muito própria ao que seria "céu", e passaram a patrocinar uma série de desmandos, talvez os mais graves da história centenária do Senado.

Percebe-se que, para alguns, o paraíso do Senado é aquele lugar onde existem impunidade, farto dinheiro público para gastos privados e empregos abundantes para parentes e amigos. Talvez por isso uma casa legislativa com 81 parlamentares tenha 10 mil funcionários. Parte dessa crônica de irregularidades veio à tona, incluindo a inacreditável edição de atos secretos a favor da corporação de funcionários da Casa, amigos e parentes de senadores. E ontem o senador José Sarney, presidente da Casa, um dos personagens centrais do drama, subiu à tribuna para se defender e tentar jogar a culpa para longe: "A crise é do Senado."

Frase infeliz. Instituição a ser defendida com vigor por ser uma das fundações da democracia representativa, o Senado é que não pode ser confundido com os deslizes de políticos que acolhe - alguns, inclusive, sem votos, os suplentes. Eleito para suceder na Mesa a Renan Calheiros, apeado por garimpar pensões alimentícias em empreiteira, o experiente político maranhense, ex-presidente da República, iria pretensamente reduzir a temperatura ambiente, debelar tempestades que ameaçavam ser deflagradas. Não conseguiu, e ele próprio seria incluído na lista dos beneficiários de práticas nepotistas, pela nomeação de parentes e contraparentes em gabinetes variados, além do seu. Outra faceta da crise, que atinge não apenas Sarney mas Renan e presidentes anteriores do Senado, é a descoberta de uma espécie de máfia na esfera administrativa do Senado, constituída, tudo indica, durante a longa gestão do diretor-geral Agaciel Maia, nomeado por Sarney no seu primeiro mandato de presidente. Quem busca imagens que simbolizem certas situações saboreou as cenas de apreço entre Agaciel, Sarney, Renan, Garibaldi Alves e outros no casamento da filha do ex-diretor, festa embalada ao som da trilha de "O poderoso chefão". Sarney foi padrinho.

Já passou do momento de o grupo suprapartidário de senadores que se preocupam com a instituição agir. A melhor maneira de defendê-la é investigar a fundo essa sucessão de horrores, com todos os instrumentos legais disponíveis.