Título: Governo indeniza 44 camponeses no Araguaia
Autor: Blanco, Pedro Paulo
Fonte: O Globo, 19/06/2009, O País, p. 11

Vítimas de tortura durante o cerco à guerrilha na década de 70, eles vão receber indenização e pensão vitalícia

BELÉM. O agricultor Pedro Matos do Nascimento, de 69 anos, ficou emocionado quando ouviu do juiz que receberá dois salários mínimos (R$930) até o fim da vida. Com uma das mãos fechou os olhos, e com a outra abraçou a esposa, numa cena que demonstra o sofrimento que acompanha a família há décadas.

- Se eu pudesse esquecer esse negócio (tortura), era melhor, mas agora vou viver com menos sofrimento graças à justiça que foi feita hoje (ontem) - disse Nascimento.

Pedro é um dos 44 camponeses vítimas de perseguição militar durante a Guerrilha do Araguaia beneficiados com indenização, concedida ontem pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, durante ato público na praça de São Domingos do Araguaia (PA). Dos 84 processos julgados ontem, 40 foram indeferidos por falta de documentos comprobatórios ou por não se enquadrarem nos casos previstos na Lei de Anistia.

O agricultor Pedro Nascimento foi preso no fim de 1973 e submetido a várias sessões de tortura porque conhecia alguns guerrilheiros. Assim como ele, todas as pessoas beneficiadas com a anistia concedida ontem receberão ainda uma indenização retroativa que varia entre R$80 mil e R$142 mil.

Cerimônia teve participação de 600 moradores

A iniciativa, definida pelo governo federal como "ato de reparação coletiva", aconteceu durante a 24ª Caravana da Anistia, da qual participaram o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT). A cerimônia contou ainda com a participação de 600 moradores da região, a maioria parentes das vítimas que tiveram ou terão seus casos julgados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

- Hoje estamos fazendo um reconhecimento, um pedido de perdão formal do Estado brasileiro a todas essas pessoas. Isso representa respeito aos cidadãos brasileiros - definiu o ministro Tarso Genro.

A previsão era de julgar 91 processos, mas sete foram retirados de pauta pelos relatores durante a sessão plenária realizada na última quarta-feira, em Brasília.

As sentenças deferidas ontem em São Domingos do Araguaia só foram possíveis graças à ação do grupo de trabalho que colheu 287 depoimentos naquela região, durante os anos de 2007 e 2008. Os relatos foram cruzados com documentos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Ministério Público. Entre os crimes descobertos estavam torturas, abusos sexuais, trabalho escravo e tomada de terras e casas.

A partir de 1966, membros do PCdoB se instalaram na margem esquerda do Rio Araguaia, no interior do Pará, e instauraram a Guerrilha do Araguaia. Os "paulistas", como eram conhecidos, foram descobertos pelo Exército e se tornaram alvo de operações militares entre 1972 e 1975. O objetivo dos militantes era montar um exército popular de libertação inspirado no processo revolucionário da China, ocorrido entre 1927 e 1949. Cerca de 70 pessoas, entre militantes e camponeses, foram mortas ou desapareceram.

* Especial para O GLOBO