Título: Pela 1ª vez na História, fome atingirá mais de um bilhão
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Fonte: O Globo, 20/06/2009, Economia, p. 31

ONU culpa crise e preço alto de alimentos pela situação

CRIANÇAS DISPUTAM comida em favela na Índia: Ásia é mais afetada

ROMA. O número de pessoas com fome vai atingir um recorde de 1,02 bilhão em 2009, 11% mais que em 2008, segundo novas estimativas divulgadas ontem pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). De acordo com a agência, o aumento de cerca de 100 milhões de famintos no mundo em apenas um ano não é consequência da redução na colheita, e sim da crise econômica, que levou à queda da renda e ao aumento do desemprego, reduzindo o acesso dos pobres à comida.

"Uma perigosa mistura de desaceleração econômica e persistentes preços elevados de alimentos em muitos países fez com que mais 100 milhões de pessoas entrassem para o grupo dos que sofrem de fome crônica este ano", disse o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, em comunicado.

A maior parte dos que passam fome - consomem menos de 1.800 calorias por dia - vive em países em desenvolvimento. Segundo a FAO, são 642 milhões na Ásia e no Pacífico; 265 milhões na África Subsaariana; 53 milhões na América Latina e no Caribe; 42 milhões no Norte da África; e 15 milhões em nações desenvolvidas. Os números são baseados em estimativas do Departamento de Agricultura dos EUA. Em 2008, eram 915 milhões de famintos no mundo.

"Sério risco para a paz e segurança mundiais"

A ironia é que a fome vem aumentando, apesar dos estoques de comida elevados. A FAO prevê uma produção mundial de grãos forte em 2009, ligeiramente inferior às 2,3 bilhões de toneladas do ano passado, quando foi batido recorde. E, embora os preços nos primeiros meses deste ano tenham recuado um pouco em comparação com o primeiro semestre de 2008, eles se mantêm historicamente altos. De acordo com a agência, os preços médios dos alimentos no fim de 2008 estavam 24% acima dos praticados em 2006, já descontada a inflação no período.

Diante desse quadro, Diouf fez um apelo. "O silêncio da crise da fome, que afeta um sexto da humanidade, traz um sério risco para a paz e a segurança mundiais. Nós precisamos chegar, urgentemente, a um amplo consenso sobre como erradicar a fome no mundo e tomar as ações necessárias", disse o diretor-geral em nota. "A atual situação de insegurança alimentar mundial não pode nos deixar indiferentes."

O próprio Diouf sugeriu algumas medidas para amenizar a fome. Na avaliação dele, os países mais pobres devem ter acesso "às ferramentas econômicas e políticas para incrementar sua produção agrícola e produtividade". Aumentar o investimento em agricultura nessas nações, portanto, é uma das primeiras medidas a serem tomadas.

O presidente do Fundo Internacional para Desenvolvimento da Agricultura (IFAD, na sigla em inglês), Kanayo F. Nwanze, reiterou as palavras de Diouf. Ele lembrou que muitos dos que sofrem de fome crônica são pequenos agricultores em países em desenvolvimento. "Muitos têm potencial não apenas para satisfazer suas necessidades, como também para elevar a segurança alimentar mundial", disse ele no comunicado divulgado conjuntamente com a FAO.

Crise ameaça metas do milênio da ONU

A FAO recordou que, na década de 1980 e primeira metade dos anos 1990, foram feitos bons avanços na redução da fome crônica, mas que a recente crise está provocando um retrocesso. A agência enfatizou que "ações substanciais e sustentadas" são necessárias para alcançar a meta do milênio de reduzir o número de pessoas com fome até 2015, para 420 milhões.