Título: Sem distorções
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Fonte: O Globo, 21/06/2009, Opinião, p. 6

Não há registro de uma fase de tanto aperfeiçoamento na Justiça como a atual. A partir da aprovação da emenda da reforma do Judiciário, em dezembro de 2004, houve uma sucessão de medidas legais com o objetivo de tratar do nervo mais exposto do Poder, a lentidão, a burocracia. Criaram-se, entre outros, os dispositivos da súmula vinculante e da repercussão geral, pelos quais as Cortes superiores começaram a fazer julgamentos únicos de contenciosos repetitivos e passaram a escolher temas sobre os quais deliberar.

Com isso, esvaziam-se prateleiras nos fóruns, e juízes têm mais tempo para estudar processos. Aumenta, assim, a qualidade das decisões do Judiciário. O momento tem sido, ainda, de discussão sobre o papel do magistrado, sua independência. Há quem critique as súmulas por limitar a ação do juiz de primeira instância. Existe algum mal-estar localizado, com a atuação corretiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), outro produto da reforma. Presidido pelo ministro à frente do STF, o CNJ emite normas administrativas - de que a Justiça é muito carente - e também tem funções corregedoras.

Súmulas e o conselho cumprem uma função especial no Brasil pela necessidade de serem coibidas perigosas tendências na magistratura de primeira instância, que terminam indo de encontro a dispositivos constitucionais.

Uma desses desvios é o entendimento de que a justiça precisa emanar das ruas. O risco está na cristalização de uma espécie de populismo judicial, em que a "realidade do povo" vale mais do que a letra da Lei, a Constituição.

Deriva deste equívoco a ação de magistrados que se veem como instrumento de "justiça social". A mais recente decisão neste sentido foi a inconcebível sustação, na Justiça do Trabalho, de demissões na Embraer, no estouro da crise mundial. Tratou-se de uma interferência indevida na administração de uma empresa, medida derrubada em instância superior. Mas aquela decisão serviu de alerta para distorções existentes na interpretação de alguns juízes.

Não seguir a letra da Lei é semear grave insegurança jurídica na sociedade. E assim, em vez de o magistrado contribuir para a "justiça social", trabalha por sua derrocada, pois, quando contratos podem ser rompidos, sem penalização, investimentos se retraem e a sociedade fica mais pobre.