Título: Megafusões sem patriotadas
Autor: Badin, Arthur; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 21/06/2009, Economia, p. 29

Presidente do Cade diz que instituição será linha-dura nas análises e avisa: não cederá a pressões.

BRASÍLIA. Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) desde novembro, com apenas 33 anos, o advogado Arthur Sanchez Badin será o responsável nos próximos meses por comandar os julgamentos de grandes fusões: Itaú-Unibanco, Perdigão-Sadia, Oi-Brasil Telecom, Pão de Açúcar-Ponto Frio, Telefônica-TVA e Banco do Brasil-Nossa Caixa. Taxado de intransigente e arrogante por seus críticos, Badin demonstra calma ao antecipar que o órgão vai ser linha-dura nas avaliações, sem ceder a pressões políticas: "É claro que o Cade é sensível à crise, à escassez de crédito, mas vai analisar (as fusões) sem patriotadas". Com respostas ensaiadas para rebater as críticas a sua juventude e inexperiência, Badin, em entrevista ao GLOBO, alfineta até o governo que apoiou seu mandato. Sem citar nomes, destrói uma das teses mais caras ao governo para justificar a união entre Oi e BrT: a de que só uma empresa nacional gigante teria condições de concorrer no exterior. Para ele, não faz sentido. "É como dizer que temos de preservar o Ronaldinho nos campeonatos estaduais para ele só jogar o campeonato mundial. Chega o mundial e ele vai estar gordo". Ainda criticou a estratégia do Ministério da Fazenda de forçar os bancos públicos a reduzir os juros. A estratégia, diz, prejudica a concorrência.

Gustavo Paul e Geralda Doca

Como o Cade analisará os grandes negócios anunciados nos últimos meses, ante a crise internacional?

ARTHUR BADIN: O direito e a economia antitruste têm mecanismos para lidar com essas situações de crise. Um deles é a teoria da failing firm, a empresa em dificuldade financeira ou estado pré-falimentar. Ela tem a seguinte lógica: considerando que muitas vezes esses ativos vão sair do mercado, se justifica a compra da empresa sem condições financeiras de continuar. Para a sociedade fica a seguinte escolha: proteger a concorrência, mas deixar esses ativos serem desfeitos, ou preservá-los, com todas as coisas boas que trazem, mas com algum sacrifício da concorrência.

Essa é a justificativa de boa parte das fusões que estão ocorrendo?

BADIN: Perceba que são situações bastante extremas. Uma empresa que de fato não tem ninguém interessado para comprar, uma empresa que realmente esteja sem condições de continuar operando, e por aí vai. Crises, não raras vezes, são usadas como pretexto para justificar o afastamento da aplicação das normas de defesa da concorrência e proteção do consumidor.

Como assim?

BADIN: Na década de 30 foi o que ocorreu. A situação era bem parecida com a atual. Lá o argumento era de que é preciso proteger a indústria nacional, criando barreiras tarifárias para os produtos estrangeiros. Isso é apontado pela literatura econômica como um dos principais fatores pelos quais a depressão se aprofundou.

E quais outros riscos existem?

BADIN: Essa ilusão de que é necessário criar grandes campeões nacionais, grandes empresas, é um raciocínio errado. O argumento é que precisamos criar grandes empresas, protegê-las da competição para que possam atuar em um mercado internacional e global. Se a empresa não compete bem aqui dentro, ela não vai competir bem lá fora. Competição torna as empresas mais dinâmicas, inovadoras, eficientes. É como dizer que temos de preservar o Ronaldinho nos campeonatos estaduais para ele só jogar o campeonato mundial. Chega o mundial e ele vai estar gordo.

Várias empresas que estão se fundindo no Brasil têm este perfil, certo?

BADIN: Então tem que ser analisado com cuidado. Essas empresas vão tentar comover a opinião pública dizendo que era a única forma de salvá-las. O Cade vai analisar isso com muita calma. Vai verificar se de fato não havia uma solução alternativa que também salvasse a empresa, sem prejudicar tanto os consumidores.

O que estará no foco?

BADIN: Além do preço dos ativos, a empresa está comprando o poder econômico. É claro que o Cade é sensível à crise, à escassez de crédito, mas vai analisar sem patriotadas, sem argumentos que não são técnicos do ponto de vista da lei.

Esses julgamentos serão um desafio para sua gestão?

BADIN: Eu me beneficio do fato de que a instituição já passou por fusões e aquisições difíceis, em decisões que contrariaram o poder econômico, e teve reafirmadas sua independência e sua qualidade técnica. As instituições também têm reputação, independentemente das pessoas que ali estão. O Cade tem a reputação de ser um órgão absolutamente técnico, onde não há ingerências políticas ou onde as ingerências políticas são muito mal recebidas. Hoje nenhum político tem coragem de fazer pressão.

Mas já houve muita pressão no passado...

BADIN: O caso Nestlé-Garoto foi triste. Ameaça de CPI, decreto legislativo para anular a decisão do Cade, chamavam os conselheiros para prestar depoimento na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos do Senado). É uma forma de pressionar e constranger. O Cade passou por isso e sobreviveu. O caso Nestlé-Garoto traz cicatrizes que engrandecem a instituição. E a outra é a Vale (Badin foi o responsável por levar a mineradora a vender ativos, em batalha que foi à Justiça).

Como o presidente do Cade vai atuar nas fusões recém-anunciadas?

BADIN: Minha principal função é assegurar as condições necessárias de independência, de isenção, para os conselheiros poderem decidir da forma como entendem que devam decidir.

Sua função será fazer a articulação, receber as demandas e fazer o meio de campo?

BADIN: Sim. Meu papel é evitar que chegue ao relator. Fazer a coisa andar. Dialogar com os diversos interesses da sociedade. Sou a boca e os ouvidos do Cade. Minha função é proteger a instituição e garantir que ela será preservada.

Como avalia o atual movimento de fusões e aquisições bancárias?

BADIN: A compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil é também importante porque configura um novo papel dos bancos públicos no país. É preciso olhar com cuidado quando o ministro Guido (Mantega, da Fazenda) diz que os bancos públicos vão reduzir os juros. Isso pode prejudicar a concorrência no setor e inibir investimentos. É uma empresa pública disputando o mercado ao lado de empresas que maximizam o lucro, que é o objetivo delas. Só a concorrência faz aumentar a eficiência, via redução dos custos. Toda vez que se praticam preços que não são reais, o consumidor sai perdendo.

Como a redução forçada dos juros pode prejudicar o consumidor?

BADIN: É o exemplo da quebra de monopólio da Petrobras. Lá atrás, a estatal era responsável por todo o processo, da exploração ao refino e entrega do óleo. Mas não apareceu nenhum investidor na área de refino, por exemplo. As empresas só entram no setor se for como parceiras da Petrobras. A decisão de não reduzir os preços dos combustíveis, por não tê-los elevado antes, é um exemplo. Dá um sinal ruim para o investidor, que teme entrar no mercado com esse tipo de formação de preços.