Título: Pré-sal será usado em nova política industrial
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 21/06/2009, Economia, p. 32

Governo quer ampliar conteúdo nacional no setor, que terá R$269 bi de investimentos e abrirá 1 milhão de vagas

BRASÍLIA. De olho nos erros de outros países e empenhado em fazer jorrar mais do que petróleo dos campos do pré-sal, o governo já decidiu que a exploração dessa riqueza será a ponta de lança da política industrial da cadeia produtiva de óleo e gás no país. A meta é tornar realidade - e até aumentar - as previsões de investimentos e geração de empregos desenhadas com as descobertas. Projeções do BNDES apontam que apenas os aportes diretamente nas atividades de exploração e produção chegarão a R$269,7 bilhões até 2012, incluindo Petrobras e empresas privadas.

Com uma média de R$67,4 bilhões ao ano, os recursos deverão gerar, segundo a estatal, um milhão de vagas, diretas e indiretas, em empresas prestadoras de serviços até 2013.

O grupo interministerial que estuda o marco regulatório do pré-sal deverá anunciar, junto com o projeto das novas regras do setor, diretrizes para a contratação de empresas e fornecedores, para aumentar o conteúdo nacional nessa cadeia. O trabalho começou em julho do ano passado e tem como pano de fundo 18 setores industriais ligados diretamente ao setor.

Ainda não existem números tabulados sobre os investimentos nessas áreas, mas um estudo encomendado pelo Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), ligado à Petrobras, traçou as características e os desafios de cada segmento.

País é competitivo em oito dos 18 setores da cadeia

A conclusão é que, dos 18 setores, o país tem oito considerados altamente competitivos. Os demais têm competitividade considerada média ou sequer têm produção no país. Diante desse quadro, os técnicos constataram que a indústria local precisa de investimentos para internalizar pelo menos a tecnologia básica.

- O desafio da indústria hoje é deter o feijão com arroz, ou seja, a tecnologia que já está madura. Todos terão de aumentar sua capacidade produtiva para ganhar escala e atender a demanda que vem por aí - diz José Renato Ferreira de Almeida, coordenador-executivo do Prominp.

Para tapar o gargalo de pessoal, o Prominp estima que até 2013 será preciso qualificar 207 mil trabalhadores, em 185 categorias profissionais (incluindo os níveis básico, médio, técnico e superior).

Uma conta preliminar, recém-concluída por técnicos do BNDES, aponta que só de saída - para colocar a indústria brasileira em condição de competir com estrangeiros - seriam necessários investimentos de, no mínimo, R$10 bilhões até 2012. Mas o valor ideal é muitas vezes maior, admitem os assessores da presidência do banco Rafael Oliva e Caio Brito, pois o levamento exclui os investimentos necessários em estaleiros e em áreas onde a indústria brasileira não tem ainda musculatura. Novas estimativas ficarão prontas no segundo semestre.

A preocupação do governo é evitar que o Brasil siga os maus exemplos de outros países, como Venezuela e Nigéria, que não aproveitaram a riqueza do petróleo para desenvolver seu parque industrial. O assunto ainda é discutido nos gabinetes do governo, mas a área de petróleo e gás já se descolou da política industrial lançada no ano passado e ganhou um espaço próprio, que ficou sob responsabilidade de BNDES e Prominp.

De acordo com técnicos que acompanham as discussões, não haverá uma imposição de compra de produtos nacionais logo no início da exploração do pré-sal. Serão feitas, inicialmente, orientações para privilegiar o conteúdo nacional. Em seguida, o governo pretende estabelecer parâmetros para atrair fábricas estrangeiras.

Governo quer que país domine tecnologia do pré-sal

Se forem encomendadas, num exemplo hipotético, cem turbinas para geração de energia nas plataformas em alto-mar, o fornecedor poderia fabricar até metade no exterior, mas as demais teriam que ser produzidas no país. Hoje, a Petrobras já exige que 65% do que compra tenham conteúdo nacional. Mas, segundo Almeida, do Prominp, em média, a produção nacional alcança em valores 75% do setor.

O BNDES deverá abrir linhas específicas de financiamento. Além disso, está nos planos incentivos a universidades e centros de pesquisa, que possam desenvolver tecnologia local.

- Não é um processo simples, mas existe um universo a ser explorado - disse uma fonte da equipe econômica.

O governo quer é desenvolver uma tecnologia genuinamente brasileira para exploração em águas tão profundas. Dominar essa tecnologia seria estratégico já que existem reservas nesta camada em outros continentes, como o africano.

- É preciso ter escala para disputar mercados novos em todo o mundo - diz Rafael Oliva.

Para especialistas, o pré-sal é uma oportunidade inédita para desenvolver a indústria brasileira. Eloi Fernández y Fernández, presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), afirma que, para a estratégia dar certo, é preciso dar competitividade ao parque produtivo nacional.

- O que proporciona isso ao investidor são os tributos, financiamento adequado, tecnologia desenvolvida não só nas universidades como nas empresas, formação de pessoal qualificado e ganhos de escala.