Título: Governo do Irã admite fraude em 50 cidades
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Fonte: O Globo, 23/06/2009, O Mundo, p. 26

Reconhecimento, contudo, não muda resultado. Polícia e paramilitares tomam as ruas de Teerã, mas manifestantes ainda fazem protestos

TEERÃ

Apesar das ameaças das forças de segurança e dos assassinatos e prisões de manifestantes, os iranianos voltaram às ruas ontem em Teerã para protestar contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Eles enfrentaram paramilitares e policiais nas ruas de uma cidade que foi quase que inteiramente tomada por forças de segurança, no dia em que a Guarda Revolucionária ameaçou atacar os dissidentes e o governo, pela primeira vez, reconheceu que houve fraude, mas não a ponto de mudar o resultado eleitoral.

O Conselho dos Guardiães, grupo de 12 especialistas em lei islâmica ligados ao regime, reconheceu pela primeira vez que houve ¿problemas¿ em 50 distritos eleitorais. Eles teriam tido mais votos do que eleitores registrados.

¿ Com base na informação inicial, houve problemas em 50 cidades ¿ disse o porta-voz do conselho, Abbasali Kadkhodai. ¿ Porém, os votos nestes distritos não passam de três milhões e, assim, não terão impacto na eleição.

O polêmico resultado oficial apontou uma vantagem de 11 milhões para Ahmadinejad.

Moussavi diz que há provas de grandes irregularidades em pelo menos 170 distritos.

Diversas pequenas manifestações foram realizadas em diferentes partes da capital. A maior concentração ocorreu na Praça Haft-e Tir, no centro da cidade, onde cerca de mil pessoas se reuniram. Testemunhas afirmaram e vídeos colocados na internet mostraram os manifestantes fazerem o V da vitória, até serem brutalmente dispersados por paramilitares Basij e por policiais.

Eles usaram cassetetes, gás lacrimogêneo e atiraram para o alto. Alguns manifestantes tentaram fugir para dentro de casas, que foram invadidas pelos agentes do governo.

¿ Os basijis foram realmente agressivos, e me xingaram para que eu entrasse em minha casa ¿ disse uma testemunha que mora na praça, que não forneceu o nome por medo da repressão do governo. ¿ Fiquei com muito medo, pois achei que eles iriam invadir a minha casa.

Em toda a cidade, policiais e milicianos usaram motos e helicópteros para perseguir os manifestantes.

Pessoas que saíam de estações de metrô não podiam parar na rua, pois policiais ordenavam que continuassem em movimento. O governo confirmou que sábado foram presas 457 pessoas, e reconheceu que 15 morreram. Manifestantes dizem que os mortos são mais de 25.

A Guarda Revolucionária, força de elite ligada ao regime, anunciou ontem que entrará em ação ¿ até agora, manteve-se afastada. Segundo uma nota, ela exige que os manifestantes ¿parem com atos de sabotagem e atividades baderneiras¿, e os acusou de ¿conspirar contra o Irã¿: ¿A Guarda confrontará de maneira firme e de modo revolucionário os baderneiros e aqueles que violam a lei.¿

Ex-presidente apoia anulação da eleição

O regime mostrou sinais ontem de que pode estar se preparando para prender o líder das manifestações, o ex-premier Mir Houssein Moussavi, que não aceitou o resultado oficial. Ontem, o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, se reuniu com Ahmadinejad, com o presidente do Parlamento, Ali Larijani, e com o ministro da Justiça, o aiatolá Mahmoud Hashemi Shahroudi.

Também ontem, Moussavi pediu que os iranianos acendessem o farol de seus carros no fim da tarde para demonstrar seu apoio ao cancelamento do pleito. Ele recebeu o apoio explícito do ex-presidente Mohammad Khatami, que disse que o órgão apontado para verificar a lisura do processo eleitoral, o Conselho dos Guardiães, não está preparado para tal atividade.

¿ Levar reclamações para organismos que têm o dever de proteger os direitos do povo, mas que são eles próprios alvos de críticas, não é a solução ¿ disse Khatami.

A Presidência tcheca da União Europeia pediu ontem aos 27 países do bloco para convocarem os embaixadores iranianos para protestar contra a repressão e a proibição do trabalho da imprensa no país. A Dinamarca chamou ontem mesmo o embaixador iraniano para dar explicações. O Reino Unido anunciou ontem a retirada das famílias do pessoal diplomático no Irã, devido ao temor de ações violentas. E a Itália afirmou que enviaria ajuda humanitária para sua embaixada em Teerã, que abriria suas portas para a entrada de iranianos perseguidos pelas autoridades e pediu que outros países da UE fizessem o mesmo.