Título: Heráclito: dos bastidores da política ao comando da crise do Senado
Autor: Vasconcelos, Adriana; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 28/06/2009, O País, p. 4

Senador do DEM ganha poder diante das pressões pela renúncia de Sarney

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. Sem anúncio formal, o comando do Senado mudou de mãos na semana passada. O 1osecretário da Mesa Diretora, Heráclito Fortes (DEM-PI), transformouse no novo homem poderoso da instituição. Além de ter assumido o controle da administração, tornou-se o principal fiador de uma das maiores crises já enfrentadas pela Casa.

Como já havia delegado ao líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), parte das prerrogativas de articulação política e interlocução com o governo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDBAP), que enfrenta pressões para renunciar ao cargo, começa a ser chamado de ¿Rainha da Inglaterra¿.

E Heráclito assumiu o papel de gerente da crise.

Ao acelerar a volta a Brasília, após uma cirurgia feita em São Paulo para redução de estômago, Heráclito fechou um acordo com Sarney: assumiria o comando da crise, mas só se tivesse carta branca para agir.

¿ Agora, sou o responsável.

Estou mais leve de barriga e mais pesado de problemas ¿ desabafou, 13 quilos mais magro duas semanas após a cirurgia.

Na tentativa de garantir o apoio do DEM à sua permanência no comando do Senado, Sarney abriu mão de uma prerrogativa que todos seus antecessores tinham, a de indicar o diretorgeral da Casa. Para o cargo, Heráclito nomeou o também piauiense Haroldo Tajra, primo de seu suplente. Ganhou força e responsabilidade maior para tentar superar a crise.

Com mais de três décadas de atividade política, só agora o piauiense de 58 anos ganha visibilidade na política nacional.

Mas, nos bastidores, Heráclito tem forte atuação desde os anos 70. Disputou o primeiro mandato parlamentar em 1978, pela Arena, mas só em 1982 assumiu uma vaga na Câmara, como suplente, pelo antigo MDB.

Só se filiou ao antigo PFL, hoje DEM, em 1995.

Antes disso, já tinha estreita relação com a Casa, como assessor parla mentar de três m i n i s t ro s d a Educação do regime militar: Ney Braga, Rubem Ludwig e Eduardo Portella. Foi no período da transição democrática, porém, que ganhou destaque como articulador.

Próximo do ex-presidente Tancredo Neves, foi um dos interlocutores entre o então governador de Minas e os principais ministros do governo Figueiredo.

Foi nessa época que também se aproximou do deputado Ulysses Guimarães, de quem virou confidente. Com um estilo brincalhão, era interlocutor privilegiado de Tancredo e Ulysses, apesar das diferenças entre os dois caciques.

¿ Nunca acreditei na briga entre Tancredo e Ulysses.

Como um dos integrantes da ¿Turma do Poire¿, grupo que se reunia semanalmente com Ulysses em mesa cativa do restaurante Piantella, em Brasília, aproximou-se também do então senador Fernando Henrique Cardoso. Tanto que, no governo tucano, foi cotado para ministro.

Nesse período, teve atuação ainda mais forte nos bastidores. Constantemente, Fernando Henrique o utilizava em missões políticas.

A amizade com Fernando Henrique custou-lhe um desgastante episódio: ao fim do governo tucano, ele empregou em seu gabinete Luciana Cardoso, filha do ex-presidente, que recebia salário de R$ 7,6 mil mensais.

Apontada como funcionária fantasma, justificou a ausência afirmando que o Senado era uma bagunça e o gabinete de Heráclito, mínimo. Ela deixou a função.

Na ocasião, há cerca de três meses, Heráclito evitou o assunto.

Hoje, brinca, quando perguntado sobre sua biografia: ¿ Não sei responder. Quem cuidava disso era a Luciana.

Desde que o presidente Lula assumiu o cargo, em 2003, Heráclito virou um oposicionista radical.

No plenário, seus duelos verbais com a atual líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), ficaram famosos.

Ele diz ser alvo de perseguições, que vão de investigações sobre seu relacionamento com o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, até uma operação de busca e apreensão no avião que o levou, na campanha de 2004, a Barreirinhas (MA), por causa de denúncia de que estaria levando dinheiro para candidatos a prefeito.

Na CPI dos Correios, há quatro anos, Heráclito foi citado por usar jatinho a serviço da Brasil Telecom, quando comandada por Dantas, para ir ao Piauí. Na ocasião, admitiu ter usado algumas vezes o avião. Mas, durante a Operação Satiagraha, ano passado, precisou subir à tribuna para esclarecer sua relação com o banqueiro. Disse que sua amizade era com o sócio de Dantas, o também banqueiro Carlos Rodenburg, que foi preso: ¿ Só estive com o Daniel umas cinco vezes . Mas não vou negar minhas amizades.

Apesar da ressalva dos petistas, ele diz ter relacionamento cordial com Lula, a quem costuma se referir como ¿companheiro dissidente¿, e já admitiu que ele é ¿envolvente¿.

E até conta casos de seus encontros eventuais com Lula: ¿ Um dia fui almoçar no Itamaraty e o Lula disse: ¿Você não acha que o Evo Morales (presidente da Bolívia) deveria se casar? Daqui a pouco vão falar mal dele¿ ¿ conta, sorrindo.