Título: Irã anuncia punição exemplar
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Fonte: O Globo, 24/06/2009, O Mundo, p. 25

Regime criará tribunais especiais para julgar manifestantes presos

TEERÃ

O governo iraniano anunciou ontem que criará tribunais especiais para julgar as pessoas presas durante as manifestações contra o polêmico resultado da eleição presidencial do dia 12. No momento em que a violência das forças de segurança amedronta a população e revolta a comunidade internacional, o regime teocrático do país decidiu realizar "punições exemplares" para impedir novos protestos.

A brutal reação do regime, que manteve ontem milhares de policiais e milicianos nas ruas, fez com que a oposição acuada aparentemente não tenha realizado protestos de massa na capital do país, pela primeira vez desde o pleito. O Conselho dos Guardiães descartou a anulação do pleito que reelegeu o presidente Mahmoud Ahmadinejad, apesar de o governo ter dito que os candidatos terão mais cinco dias para apresentar provas de fraude.

- Os baderneiros devem ser tratados de modo exemplar, e o Poder Judiciário fará isso - anunciou Ebrahim Raisi, uma das principais autoridades do sistema legal do governo iraniano. - As pessoas que foram presas nos últimos incidentes serão tratadas de modo a receberem uma lição.

O Judiciário do Irã é totalmente dominado por clérigos ligados diretamente ao regime.

O governo aprofundou ontem a tática de culpar estrangeiros pelos distúrbios que atravessaram o país depois do anúncio, em tempo recorde, de uma vitória por larga margem de Ahmadinejad sobre o ex-primeiro-ministro Mir Houssein Moussavi. As emissoras de TV estatais exibiram ontem supostas confissões de manifestantes presos, que disseram ter sido levados às ruas para protestar por influência de redes ocidentais de televisão.

- Acho que fomos incitados, por redes como a BBC e a Voz da América, a realizar ações tão imorais - disse na TV do governo um jovem, cujo nome não foi informado.

A Voz da América é um serviço internacional financiado pelos Estados Unidos, enquanto a BBC é um canal de TV britânico público, mas cuja linha editorial nada tem a ver com o governo do Reino Unido.

Uma jovem, cujo rosto foi eletronicamente mascarado, disse, em outro suposto testemunho sobre as manifestações, que carregou uma "granada de guerra" na sua bolsa.

- Fui influenciada pelo serviço em farsi da Voz da América e pela BBC porque eles estavam dizendo que as forças de segurança estavam por trás da maioria dos confrontos - disse a mulher. - Vi que éramos nós que estávamos protestando, que estávamos fazendo baderna. Incendiamos propriedade pública, atiramos pedras, atacamos os carros das pessoas e quebramos as janelas das casas das pessoas.

Na verdade, nos primeiros dias jornalistas iranianos e estrangeiros registraram manifestantes ateando fogo a lixeiras e fechando ruas. Mas foram as autoridades que iniciaram os confrontos violentos, em que muitos opositores foram espancados com extrema violência. Depois da total censura imposta à imprensa, imagens gravadas por celulares indicaram que a brutalidade do regime aumentou. Segundo dados oficiais do próprio governo, morreram 17 pessoas até agora (a oposição alega que há um número bem maior de vítimas), todos eles manifestantes.

Seguindo a linha de responsabilizar o Ocidente, o Irã expulsou ontem dois diplomatas da embaixada do Reino Unido em Teerã. Segundo nota do governo, a razão foram "atividades incompatíveis com seu status diplomático", expressão normalmente usada para acusações de espionagem.

Londres reagiu expulsando dois diplomatas iranianos, como medida de reciprocidade. O premier britânico, Gordon Brown, lamentou a ação iraniana.

- O Irã tomou a decisão injustificada de expulsar dois diplomatadas britânicos com alegações que não têm absolutamente nenhum fundamento - disse Brown, ao anunciar a expulsão dos iranianos em resposta. - Estou desapontado pelo fato de o Irã nos colocar nesta posição. Mas continuaremos a buscar ter boas relações com o Irã e a pedir ao regime que respeite os direitos humanos e as liberdades democráticas do povo iraniano.

Diante da embaixada britânica, cem manifestantes queimaram bandeiras do Reino Unido, dos EUA e de Israel, e gritaram palavras de ordem como "a embaixada britânica deve ser fechada".

A repressão à imprensa continua. A organização Repórteres Sem Fronteiras informou que há pelo menos 34 jornalistas presos. Ontem, a TV estatal iraniana confirmou que um repórter do jornal americano "Washington Times", o grego Iason Athanasiadis, está detido. Maziar Bahari, da revista "Newsweek", também está preso.

Segundo relatos de iranianos contatados por agências de notícias, diante da ação das forças de segurança, os protestos da população assumiram características mais difusas. Motoristas acenderam os faróis de seus carros em determinadas horas do dia, e manifestantes gritaram durante a noite "Deus é grande" e "morte ao ditador" - palavras de ordem usadas durante a Revolução Islâmica.