Título: Obama lamenta apoio a golpes no passado
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 01/07/2009, O mundo, p. 24

Resposta americana à crise hondurenha contrasta com política externa anterior do país

NOVA YORK. A condenação do golpe de Estado em Honduras e o imediato apoio à resolução da ONU exigindo a restituição incondicional de Manuel Zelaya ao poder fizeram com que muitos fantasmas da política externa americana começassem a desaparecer de cena. O próprio presidente Obama reconheceu que "os EUA nem sempre estiveram no lado certo", numa referência ao apoio americano a dezenas golpes de Estado em todo o mundo, principalmente no continente americano. O secretário de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, apressou-se em negar qualquer envolvimento do governo americano com a disputa de poder em Honduras.

- Não queremos voltar a um passado sombrio em que golpes militares interrompiam os processos eleitorais na América Latina. Nem sempre os EUA estiveram do lado certo. Mas meu governo vai sempre apoiar a democracia - reafirmou Obama.

Os EUA apoiaram golpes - de forma explícita ou dissimulada - contra governos eleitos durante todo o período da Guerra Fria, desde o premier iraniano Mohammed Mossadeq, em 1953, passando pelo Afeganistão na década de 1970, até diversas ações no continente americano entre as décadas de 1960 a 1980. Quase todas as ditaduras latino-americanas do período não só chegaram ao poder com apoio americano como foram auxiliadas a mantê-lo pelos EUA.

Mais do que o discurso a favor da democracia, o que surpreendeu muitos analistas foi o apoio decisivo de Obama a decisões de órgãos multilaterais, como a ONU e a OEA, no que se refere a mudanças de regime no continente.

Obama não quer permitir que haja suspeita de auxílio a golpes contra esquerdistas

Mas foi unânime entre os analistas políticos a impressão de que o apoio de Obama a negociações multilaterais marca um forte contraste com a política externa de seu antecessor, George W. Bush.

- Não há dúvida de que a política externa americana mudou de forma decisiva. Obama apoia decisões multilaterais, parece reforçar o poder da OEA na mediação política do continente e não tem as ambiguidades da política externa de Bush - avalia Jose Raul Perales, pesquisador do Centro Internacional Woodrow Wilson.

Há, porém, quem acredite que a diferença está também na compreensão dos conflitos no continente americano. A pesquisadora Susan Purcell acha que o governo Obama é menos tolerante com golpes de Estado, sobretudo quando eles se voltam contra eleitos pela esquerda:

- Obama quer mudar a imagem dos EUA sobretudo no que se refere às relações com governos eleitos por partidos de esquerda. Quer deixar para trás qualquer suspeita de que possa apoiar golpistas "por baixo dos panos", como muitos suspeitam que foi o caso de Bush na tentativa de golpe na Venezuela em 2002. Bush era ambíguo, Obama recusa ambiguidades em sua política externa - acredita Purcell, diretora do Center for Hemispheric Policy e pesquisadora da Universidade de Miami. (M.M.)