Título: Amanhã é o Dia Mundial das Drogas
Autor: Scofield Jr, Gilberto
Fonte: O Globo, 25/06/2009, Mundo, p. 31

FH lança nova iniciativa e assina apelo internacional na data

Arnaldo Bloch

Conscientização de que as políticas proibicionistas fracassaram, trazendo mais violência, corrupção e descontrole; ênfase na noção de ¿redução de danos¿, adotada na Europa e calcada em transparência, acesso sem constrangimento a sistema de saúde e distribuição de seringas; estímulo a culturas alternativas e reconhecimento de certos cultivos tradicionais; e adoção de sistemas de regulação, notadamente descriminalização do consumo: eram esses os alicerces programáticos da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, criada em 2008, e que agora chega a seu termo.

Comandada por ex-presidentes de Brasil, Colômbia e México (Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo) e composta por membros da sociedade civil e das comunicações, o grupo elaborou, numa série de reuniões, um relatório alternativo para influenciar a revisão de dez anos de política global de drogas da ONU, que aconteceu em Viena, em março passado, e cuja declaração final formou a base do relatório anunciado ontem em Washington.

Diretor-executivo do Viva-Rio ¿ que conduziu o secretariado da comissão ¿ o sociólogo Rubem Cesar Fernandes vê um progresso ainda tímido na nova posição da ONU: ¿ A declaração de Viena foi muito influenciada pelo staff anterior, à mercê da era Bush. Leio o relatório com reserva. Sob pressão, flexibilizam o discurso, o que é uma vitória, mas, na prática, mantêm o status quo proibicionista. Sem falar que, para grande parte dos usuários, o uso é eventual, não configura doença, o que não é reconhecido.

E há problema com os dados.

Por exemplo, na América Latina, e no Brasil, ao que se sabe, o consumo de maconha, cocaína e heroína continua crescendo, juntamente com as sintéticas, que crescem no Sul e no Norte ¿ critica Rubem Cesar.

Daqui para frente, a comissão deixa de existir, desmembrando-se em duas iniciativas: uma comissão brasileira e, no plano internacional, a ¿Iniciativa Latino-Americana sobre Drogas e Democracia¿, que não será um organismo, mas uma ¿dinâmica de trabalho¿ destinada levar à frente as discussões.

A Iniciativa terá o ex-presidente Fernando Henrique à frente dos trabalhos, com o apoio continuado do Viva-Rio.

Num primeiro passo dessa nova dinâmica, Fernando Henrique já aparece encabeçando os signatários de um documento designado ¿Apelo Internacional pela Reforma da Política Global de Drogas¿, que será lançado amanhã, ¿World Drug Day¿ (Dia Mundial das Drogas), e exprime o ponto de vista atualizado de uma coalizão de instituições favoráveis a mudanças de paradigma, inclusive com implicações na política de combate à Aids.

Presente nos vários encontros da comissão, à frente do Drug Policy Alliance, com 25 mil contribuintes e um conselho que inclui gente do mainstream americano (inclusive republicanos, como o ex-secretário de Defesa de Ronald Reagan, Frank Carlucci, e ícones da mídia como Walter Cronkite), o ativista americano pró-legalização Ethan Nadelman reage com otimismo crítico: ¿ O czar da ONU está à frente do czar americano quando admite as falhas e os estragos da política proibicionista e leva a crer que a utopia do ¿mundo sem drogas¿ caiu.

Mas o relatório comete um erro grave ao insistir que o regime de proibição é a única maneira de regulação. Na verdade, representa justamente a abdicação da regulação mais efetiva. Nos bairros e favelas, o mercado da droga está completamente fora de controle, exceto o controle das violentas gangues que o exploram. Legalização é, realmente, o sinônimo de regulação. É a direção para a qual a política de drogas deve seguir.