Título: Governo cria folga para investir mais em período pré-eleitoral
Autor: Beck, Martha; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 04/07/2009, Economia, p. 30

Manobra já vale para este ano e não descumpriria meta de superávit

Martha Beck e Luiza Damé

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O governo encontrou uma maneira de reduzir na prática o superávit primário em 2009 e 2010, ampliando entre R$5 bilhões e R$6 bilhões ao ano o espaço para fazer mais gastos sem ter que alterar formalmente a meta fiscal em período pré-eleitoral. Em reunião da Junta Orçamentária, ontem, ficou acertado que todo o gasto com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) passará a fazer parte do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) - que pode ser abatido da economia do governo para o pagamento de juros da dívida pública. Com isso, o PPI subirá de 0,5% para 0,65% do Produto Interno Bruto (PIB, bens e serviços produzidos pelo país).

Caso o governo consiga executar todas as obras previstas, o superávit fiscal de 2009, cuja meta é de 2,5% do PIB, poderia ficar em 1,85%. Em 2010, o PPI poderá fazer a meta de 3,3% do PIB ficar em 2,65%. Isso significa que o governo terá cerca de R$10 bilhões a mais para gastar nos dois últimos anos de mandato do presidente Lula.

Paulo Bernardo: sem decisão sobre cortes no Orçamento

Para 2009, a meta original era de 3,8%, mas passou a 2,5% em abril, com a retirada da Petrobras do cálculo do superávit e a redução da economia a ser feita pela União. A justificativa é a necessidade de ampliação de investimentos e concessão de desonerações fiscais como política anticíclica para impulsionar a recuperação econômica.

- O PPI é 0,5% (do PIB), o PAC é aproximadamente 0,65% (do PIB). Isso dá uma diferença de 0,15% do PIB, o que dá R$5 bilhões, R$6 bilhões. Mantém o conceito de anos anteriores, apenas coincide o valor do PPI com o PAC. Se nós executarmos e se for julgado conveniente, se tivermos dificuldade de cumprir a meta, poderemos abater - disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

O PPI foi um mecanismo criado em 2005 para permitir gastos maiores do governo sem que as despesas fossem percebidas como "farra fiscal". Com a bênção do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi fechada uma lista de obras de infraestrutura (como rodovias e portos) e projetos de melhoria de gestão.

Portanto, se o governo não economizar para pagar juros num dado ano o que foi estipulado, pode usar o PPI como desculpa, e descontá-lo da meta. Até agora, esse benefício nunca foi usado. Muitas obras do PAC, plano que veio depois, integravam o PPI. Agora, todas estarão na lista especial.

Este ano, a dotação orçamentária do PAC é de R$20,5 bilhões, e o PPI tem R$15,5 bilhões em projetos. Para 2010, a primeira estimativa do PPI é de R$16,886 bilhões. Aumentado a 0,65% do PIB, vai a R$21,95 bilhões.

Segundo Paulo Bernardo, ainda não houve decisão sobre cortes no Orçamento de 2009:

- Continuamos analisando a situação e temos até o dia 20 de julho para tomar decisões.

Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, levou ao encontro a posição de que ainda não é preciso fazer novos cortes de receitas. Sua avaliação é de que queda da arrecadação está sendo compensada com aumento da atividade industrial e entrada de capital estrangeiro no país.

Paulo Bernardo disse ainda que os parâmetros para o Orçamento estão mantidos. A estimativa de crescimento do PIB para 2010 é de 4,5%.

Antes da reunião de ontem da Junta, a maior preocupação dos analistas era com as contas públicas em 2010, quando a meta de superávit primário oficial deveria voltar a 3,3% do PIB. Nos 12 últimos meses encerrados em maio, o superávit foi equivalente a 2,28%, após os 4,32% do PIB em outubro, antes do auge da crise financeira global.

- Chegamos ao patamar de 2% muito rápido. Agora, teremos de ir mais devagar com o andor - afirma o economista Raul Velloso.

Crise escondeu problema das contas públicas

Para o chefe do Centro de Crescimento Econômico da FGV, Samuel de Abreu Pessoa, o país "já perdeu a condição de voltar ao superávit fiscal na casa dos 3%". Ele diz que a crise escamoteou o problema da gestão das contas públicas, ao permitir que o governo diminuísse o controle sobre o superávit em nome da reativação da economia. E prevê para o início de 2011 um cenário de excesso de demanda, o que poderia levar o Banco Central a voltar a elevar os juros básicos.