Título: Por respeito aos mais velhos
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2009, Brasil, p. 12

Encontro em Brasília discute políticas voltadas para os idosos. Maus-tratos, abandono e falta de acesso ao lazer são alguns dos problemas enfrentados. Governo lançará disque-denúncia para a terceira idade

Histórias de abandono: aos 80 anos, Narcisa Alves diz que não recebeu mais a visita de familiares desde que foi morar em um asilo, há três anos

¿Eu gosto de viver aqui (no Lar dos Velhinhos), mas queria um lugar meu¿ Noemia de Oliveira, 86 anos O aumento da expectativa de vida da população brasileira tem se refletido na elevação do número de idosos, que chega a quase 20 milhões de pessoas, ou 10,5% do total de habitantes do país. Em 29,1% dos lares, vive alguém na faixa etária de 60 a 79 anos, e em 4,6% das resistências, uma pessoa com 80 anos ou mais. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 e mostram a importância de políticas voltadas para a terceira idade. Para debater o tema e propor formas de defesa dos direitos dos idosos, cerca de mil pessoas de todo o país participaram esta semana, em Brasília, da 2ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, encerrada ontem.

Uma das medidas a serem adotadas pelo governo para proteger os mais velhos é a criação de um disque-denúncia nacional para receber queixas de violências praticadas contra essa população. Apesar de não saber precisar a data da implantação do serviço, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) (veja entrevista), garante que será um novo instrumento de combate à violência contra o idoso.

Segundo Vannuchi, existe hoje uma necessidade de reeducação da sociedade brasileira. ¿Estava lendo a revisão de um livro elaborado pela secretaria e fiquei chocado com o tempo de visitas de uma casa de longa permanência, antigo asilo, do Rio de Janeiro, onde vivem 200 mulheres. Em 2008, não houve nenhuma visita de parentes no Dia das Mães. É muito triste. Precisamos reforçar a compreensão básica de preceitos milenares que dizem que os mais velhos devem ser respeitados¿, diz o ministro, para quem essa mudança cultural deve ser feita em conjunto por pessoas de todas as faixas etárias.

Com 80 anos e pouco lúcida, a aposentada Narcisa Alves, nascida no Rio de Janeiro, foi deixada por duas sobrinhas, também idosas, no Lar dos Velhinhos, em Taguatinga Sul. Moradora do lugar há três anos, ela não esquece a antiga vida de governanta, quando cuidava da casa e dos filhos do antigo patrão. ¿Eu só estou aqui porque meu chefe morreu, senão estaria até hoje vivendo com a família dele¿, diz. Uma das assistentes do lar, que abriga 34 idosas, conta que foram várias as tentativas para localizar a família de Narcisa, sempre sem sucesso. Desde que a idosa chegou ao local, as sobrinhas não deram mais notícia. Uma delas vive em Brasília e a outra no Rio.

Mais sorte tem Noemia de Oliveira, 86 anos, moradora do mesmo asilo e que costuma receber a visita de familiares. ¿Resolvemos trazê-la para Brasília porque ela estava vivendo sozinha em uma casa em Fortaleza¿, conta o sobrinho Fernando Marques, 52 anos, que mora a poucas quadras do asilo e visita Noemia três vezes por semana. Ela diz que gosta do lar, mas sente falta da sua casa. ¿Eu gosto de viver aqui, mas queria um lugar meu.¿

Avanços Subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano destaca a aprovação do Estatuto do Idoso, em setembro de 2003, como uma grande conquista para o país. ¿A partir de sua ampla divulgação, o maiores de 60 anos, que já eram protagonistas, passaram a conhecer ainda mais seus direitos e ampliaram suas ações articuladas¿, opina. Na avaliação de Cipriano, os maiores problemas enfrentados por essa faixa etária são o preconceito e a violência. ¿O fator agravante é que a maiorias dos casos de maus-tratos ocorrem dentro de casa, muitas vezes praticados por parentes próximos¿, afirma.

Apesar de elogiar as ações do governo federal nas áreas de previdência, assistência social e saúde, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), José Luiz Telles, diz que o Brasil ainda tem muito a avançar nas ações destinadas aos idosos. ¿Além das políticas públicas, a sociedade e outras organizações também devem se mobilizar em torno de uma agenda nacional, que englobe educação, saúde, lazer, turismo, transporte, cultura e enfrentamento à violência.¿

Telles destaca como pontos positivos a distribuição gratuita de medicamentos que combatem a osteoporose e o Alzheimer, a criação da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa e o pagamento, em 2009, de pelo menos 8 milhões de benefícios a idosos não-contribuintes da Previdência Social. ¿As pensões e as aposentadorias dos trabalhadores rurais idosos movimentam a economia das cidades do interior. Sem falar que aproximadamente 25% das famílias brasileiras são sustentadas por homens e mulheres com mais de 60 anos¿, destaca. O presidente do CNDI ressalta como pontos negativos a pouca acessibilidade às vias e aos transportes públicos, incluindo as calçadas e semáforos para travessias seguras.