Título: Cresce ameaça à independência de agências
Autor: Tavares, Mônica; Duarte, Patricia
Fonte: O Globo, 08/07/2009, Economia, p. 17

Parlamentares, advogados e Cade criticam portaria que centraliza a defesa de autarquias e órgãos públicos na AGU

Mônica Tavares e Patricia Duarte

BRASÍLIA e RIO. Depois de centralizar paulatinamente a defesa de 139 autarquias e órgãos públicos em tribunais superiores nos últimos sete anos, a Advocacia Geral da União (AGU) está provocando polêmica ao entrar na fase final do processo. Desde fevereiro, a responsabilidade de defesa das 12 maiores instituições está sendo concentrada na Procuradoria Geral Federal (PGF), subordinada à AGU. Alguns parlamentares, advogados e o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, criticam a opção, ou por considerá-la uma ingerência ou por temerem perda de qualidade técnica.

Os 12 órgãos poderosos - cujas procuradorias são formadas por profissionais da AGU, pois autarquias e agências reguladoras não têm carreira própria na área - que se adequaram à norma pela portaria 164 de 20/2/2009 são: Agencia Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de Águas (ANA), Cade, INSS, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Funai, Incra, Instituto Chico Mendes e Ibama.

O movimento, segundo a AGU e procuradores de vários órgãos ouvidos pelo GLOBO, segue designação da Constituição de 1988, confirmada pela lei 10.480, de 2 de julho de 2002, que criou a PGF. A portaria de fevereiro último disciplina a transição dos 12 últimos órgãos. Até a Justiça de 2º Grau, os procuradores das 151 autarquias e fundações podem decidir se as defendem pessoalmente ou se cabe aos procuradores federais nos estados representá-los.

Presidente do Cade teme redução da eficácia

Nos bastidores do governo, aponta-se que Badin, que foi procurador-geral do conselho (indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado), comanda a chiadeira, que não encontra eco na maior parte das outras instituições. Ele estaria em disputa pessoal com o advogado-geral da União, José Antônio Dias Tofolli.

Badin teria apoio apenas de parte da direção da Anatel. Segundo a assessoria da agência, o ideal seria o acompanhamento mais próximo das ações por procuradorias dos próprios órgãos, embora o encaminhamento dado à questão seja "uma decisão de governo".

- A gente tirou a representação dos tribunais federais e do Supremo Tribunal Federal (STF) de mais 139 autarquias e fundações até fevereiro deste ano, inclusive seis agências reguladoras. Ninguém reclamou. Foi só chegar nos tribunais superiores e atingir especialmente o Cade e essas quatro agências que virou essa discussão pública, de um assunto que é basicamente organização interna. Daí faço uma ilação: o que está em jogo é vaidade - disse ao GLOBO o procurador-geral federal, Marcelo Siqueira Freitas.

Badin decidiu não comentar o tema, mas, em artigo publicado ontem no jornal "Valor Econômico", afirma que "a plena eficácia das decisões das agências depende essencialmente da qualidade e autonomia de sua defesa em juízo" e que, ao se tirar essa prerrogativa, "a independência seria nenhuma caso o advogado da agência reguladora estiver diretamente subordinado ao presidente da República".

Ele adverte que "o receio de intervenção nas decisões das agências não é hipotético" e que, "para esvaziar a eficácia das decisões das agências reguladoras, Cade e CVM, bastaria a AGU ser orientada a negligenciar a defesa dessa decisão".

- Todos os procuradores representam a União. Enquanto a palavra de mérito for dos advogados das autarquias, não existe perda de poder - rebateu o procurador da ANA, Emiliano Ribeiro de Souza.

Ele citou como exemplo ação que corre na Justiça Federal de em Rondônia sobre a hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira: todo o embasamento técnico da ação foi feito pela procuradoria da ANA, mas foi defendida pela PGF no estado.

O receio de perda de poder foi tratado no II Fórum dos Procuradores Chefes dos Órgãos Reguladores, em maio. A maioria absoluta, segundo o procurador da Aneel, Márcio Pina, descartou a ingerência.

- Causa estranheza que o tema seja publicado na imprensa somente agora, porque a portaria é de fevereiro. O objetivo (da medida) é a racionalização de energia (economia de custos) - disse Pina, para o qual o trabalho centralizado está funcionando "extremamente bem".

Costa e Silva, ex-CVM, fala em retrocesso

Mais do que atingir a independência das agências, a medida é ineficiente, opina o advogado e ex-presidente da CVM Francisco da Costa e Silva, por impedir, por exemplo, a escolha de profissionais com o perfil ideal para cada uma das causas. Ele também vê uma maneira de a União economizar:

- A unificação representou um retrocesso muito grande porque trocou a subordinação hierárquica. Os advogados da CVM, por exemplo, respondem à AGU. É como ter dois chefes.

No Congresso, também há resistências à portaria. Para o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), ela reduz a pó a já pequena independência de agências e autarquias. O presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), Wanderlino Teixeira de Carvalho, acredita que a polêmica evidencia a necessidade de a União abrir amplo debate sobre a um quadro de carreira de procuradores nas agências, como há nos órgãos reguladores estaduais.

Já o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, limitou-se a dizer que o assunto é questão interna da AGU - mesmo posicionamento adotado pela CVM. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também afirmou ser uma decisão administrativa da AGU e não quis comentar o assunto.

COLABORARAM Felipe Frisch, Luciana Casemiro e Ramona Ordoñez