Título: Juro baixo reduz corte no orçamento
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2009, Economia, p. 19

Queda da taxa Selic, estimada para chegar a 9,75% no fim do ano, vai aliviar o arrocho nos gastos imposto pelo governo federal

Para Zeina, o importante é manter a relação dívida/PIB em baixa O arrocho que o governo foi obrigado a fazer no Orçamento da União de 2009, de R$ 21,6 bilhões, teria que ser muito maior se não fosse o forte processo de queda da taxa básica de juros (Selic). Estima-se que somente a redução de quatro pontos percentuais que está sendo projetada pela maioria do mercado, de 13,75% para 9,75% ao ano, diminuirá em pelo menos R$ 18,8 bilhões o gasto com a dívida pública neste ano. Na conta mais otimista dos analistas, com a Selic caindo até 8,25% ao ano, é possível que a despesa com juros encolha até R$ 22 bilhões ao longo de 2009. ¿Com a arrecadação em queda, o corte de gastos do governo se tornou inevitável. Mas, certamente, o efeito da tesoura seria muito maior se a Selic não estivesse caindo de forma tão rápida (2,5 pontos desde janeiro último)¿, disse o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor da Dívida Pública do Banco Central.

Segundo ele, com os encargos da dívida menores, o governo, conseguiu, a princípio, manter espaço ¿para continuar gastando moderadamente¿ e ainda fazer um superávit primário (receitas menos despesas, sem contar o custo dos juros) próximo de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo com a arrecadação de tributos desabando. ¿Por isso, podemos dizer que, do ponto de vista fiscal, não há risco neste momento¿, afirmou Freitas Gomes. ¿Mas é preciso ressalvar que as maiores dúvidas neste momento recaem sobre as receitas com impostos. Ainda não se pode medir ao certo o quanto elas serão afetadas pela forte contração da atividade econômica¿, acrescentou.

Pelos cálculos do ex-diretor do BC, se a Selic realmente chegar aos 8,25%, os gastos com juros cairão para 4% do PIB ante os 5,59% de 2008. Ou seja, com um superávit primário de 2% do PIB, faltariam outros 2% para fechar a conta, o chamado déficit nominal. Esse rombo, destacou Freitas Gomes, não seria nada extraordinário dada à conjuntura atual e representaria uma elevação de apenas 0,5 ponto percentual sobre o déficit do ano passado, de 1,53% do PIB. ¿Esse é mais um motivo para que se diga que há uma certa folga fiscal para o governo, garantida pela queda da Selic¿, frisou. Os cálculos levaram em consideração a parcela da dívida corrigida pela taxa básica em janeiro, de R$ 470,6 bilhões.

Nada a comemorar Para o economista Joel Bogdanski, do Banco Itaú, não há o que comemorar. ¿O BC só está cortando a Selic de forma acelerada porque a economia está em recessão¿, assinalou. ¿E não podemos esquecer que a perda de arrecadação será muito maior do que qualquer economia com juros da dívida¿, emendou. A seu ver, o arrocho fiscal vai perdurar por um bom tempo, porque, mesmo com a ajuda dada pelo BC, a economia crescerá abaixo de seu potencial por um bom tempo. ¿Diante da queda da arrecadação e da vontade do governo de gastar, dificilmente o superávit primário ficará em 3,3% do PIB neste ano, conforme foi anunciado anteontem. No nosso cenário, o superávit será de 2,8%, com tendência de baixa¿, afirmou.

Além dos juros em baixa, o equilíbrio das contas públicas, segundo os analistas, será mantido pela incapacidade do governo de gastar com o que realmente é importante: obras de infraestrutura. Desde o início do ano, quase nada de investimentos foi liberado. Há ministérios, como mostrou o Correio há mais de duas semanas, que não recebem limites financeiros do Tesouro Nacional desde o fim de dezembro do ano passado para honrar contratos com empreendimentos em andamento ou concluídos. ¿Infelizmente, as únicas despesas que crescem são as voltadas para o financiamento da máquina e com o funcionalismo¿, disse Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING.

Esse, destacou ela, é o retrato de ¿um governo que não tem agenda fiscal, um governo do empurra com a barriga, que não se preocupou em promover reformas para reduzir a carga fiscal que engessa a economia¿. No entender de Zeina, o importante para o governo é que a relação entre a dívida pública e o PIB, que fechou 2008 em 36%, mantenha-se estável ou caia.