Título: Presidente argentina defende protecionismo
Autor: Pereira, Alessandra
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2009, Economia, p. 20

Cristina Kirchner mantém a restrição a produtos brasileiros, mas pede ajuda a Lula para estimular a industrialização em seu país

São Paulo ¿ Em meio a um momento de real tensão nas relações comerciais entre os dois países, principais parceiros no Mercosul, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e da Argentina, Cristina Kirchner, se encontraram ontem em São Paulo e defenderam medidas protecionistas, desde que haja equilíbrio e negociação. Apesar do tom conciliador e do cuidado para não prejudicar o entrosamento político, às vésperas da próxima reunião do G-20, dia 4, em Londres, Cristina foi firme ao defender as ações adotadas por seu governo para restringir a entrada de produtos brasileiros na Argentina. Ao mesmo tempo, pediu ajuda ao Brasil para recuperar-se do atraso e continuar o processo de industrialização no país.

Para Cristina, o déficit registrado ano passado na balança comercial entre os dois países, justifica a opção pelo controle de importação, praticado pelo governo argentino com auxílio de um instrumento chamado licenças não-automáticas ¿ mecanismo que submeteu a restrições uma listagem de cerca de 200 mercadorias. ¿Uma licença não automática pode parecer uma medida protecionista em matéria comercial. (¿) Mas, então, poderíamos verificar que há medidas protecionistas de um lado e de outro. Talvez umas sejam menos perceptíveis que outras, mas existem em matéria fiscal, de financiamento e monetária (no Brasil)¿, disse ela, durante entrevista, ao lado do presidente Lula, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Cristina, que chefiou a delegação de mais de 500 empresários argentinos que vieram ao encontro, justificou as barreiras ao comércio exterior, anunciadas no início do mês, como necessárias ao combate do déficit argentino de US$ 4 bilhões no comércio bilateral em 2008. Segundo a presidente argentina, na parceria entre os dois países o Brasil tem levado vantagem, por causa dos incentivos fiscais concedidos pelos governos estaduais às indústrias, da desvalorização do real em relação ao dólar e até o fato de ser desproporcional o ¿tamanho das duas economias¿, concluiu.

Em um discurso pautado pela sólida parceria entre os dois países, Lula ouviu as declarações em silêncio. Depois, frisou que é preciso negociar até se chegar a um acordo em torno do que é bom para os dois países. ¿É preciso se chegar a uma definição dos preços equivalentes, para que a economia de um país não sufoque a economia de outro país¿, afirmou, atribuindo aos empresários a capacidade de chegar ao consenso em torno das divergências. Lula também destacou que a crise só será solucionada com mais ¿comércio, mais diálogo e com o aprofundamento das relações entre Brasil e Argentina.¿

Antes da fala de Cristina sobre as licenças não automáticas, o próprio Lula também tratou de adotar tom mais brando ao invés de fazer duras críticas ao protecionismo como forma de combate a crise. ¿O protecionismo é normal¿, disse ele. ¿O protecionismo é quase como se fosse uma religião. Quando acontece qualquer coisa aqui no Brasil, na Argentina, nos EUA e na Europa, todo mundo quer defender suas empresas, emprego, economia. É normal. Não precisamos encarar como se fosse uma coisa insolúvel¿, afirmou o presidente, enfatizando que o momento pede proteção enorme contra a prática de dumping.

Convento de freiras Durante seu discurso no evento, Lula voltou-se para questões mais genéricas sobre a crise internacional, referiu-se prioritariamente aos países desenvolvidos e aos emergentes que precisam de ajuda financeira. Sobre a Argentina, disse que encontrará mais três vezes a presidente Cristina Kirchner até abril e que esses encontros ¿certamente servirão para aparar as arestas que existirem¿. O presidente disse também que os dois países ¿não são um convento de freiras¿ e ¿são duas nações com interesses bem objetivos¿. Segundo ele, é normal haver divergências, porque cada parceiro defende seus interesses.

Cristina repetiu algo semelhante ao concluir sua fala de encerramento. Comparou as relações comerciais entre Brasil e Argentina com o relacionamento nas empresas. De acordo com ela, os empresários têm sócios e, portanto, sabem que ¿sócios se desentendem, discutem até chegar a um consenso para opiniões divergentes de vez em quando¿.