Título: Oposição argentina diz que mudanças ministeriais são maquiagem
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 09/07/2009, O Mundo, p. 30

BUENOS AIRES. Mudar, para não mudar nada. Essa foi a interpretação que predominou entre os opositores do governo argentino ontem, um dia após a Casa Rosada ter anunciado a renovação de parte do Gabinete da presidente Cristina Kirchner. Fortalecida pelo resultado das eleições legislativas de junho passado (70% dos eleitores do país votaram contra o governo K), a oposição se uniu para criticar as mudanças ministeriais e, sobretudo, o que consideram uma "incapacidade do casal Kirchner de interpretar corretamente a mensagem das urnas".

Os dirigentes antikirchneristas questionaram, basicamente, quatro aspectos da renovação ministerial: a permanência do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, acusado de manipular as estatísticas oficiais elaboradas pelo Indec (o IBGE argentino); a ausência de novos funcionários que não integrem o tradicional círculo de colaboradores do casal K; a sensação de que, apesar da derrota política, o ex-presidente Néstor Kirchner continua governando o país; e a designação do ministro da Justiça e Segurança, Aníbal Fernández (criticado por seu perfil agressivo em debates políticos), como novo chefe de gabinete.

- Enquanto Kirchner continuar no comando do governo, não haverá mudança verdadeira. Quem deve sair é Kirchner - declarou o deputado do peronismo dissidente Francisco De Narváez, que ficou na frente do ex-presidente nas eleições para deputados pela província de Buenos Aires.

A manchete de ontem do jornal "Clarín", o mais vendido do país, refletiu o clima entre os antikirchneristas (o jornal é um claro opositor da Casa Rosada): "Gabinete ultra K, com Aníbal por Massa (Sergio Massa, ex-chefe de gabinete) e (Amado) Boudou na Economia". O cineasta Fernando "Pino" Solanas, eleito deputado pela capital do país com 24% dos votos, foi enfático:

- A mudança de Gabinete me parece lamentável, uma piada de mau gosto.

Para Solanas, "se o governo buscava credibilidade, um valor em baixa na Argentina, com estes ministros caminha na direção contrária".

- (A mudança de Gabinete) reafirma a surdez do governo Kirchner - afirmou o líder do Proyecto Sur.

Perguntada pelos meios de comunicação locais sobre as mudanças de Gabinete, a maioria dos opositores do governo Kirchner fez a mesma pergunta: "Que mudanças?". Na visão da oposição argentina, o governo realizou apenas uma troca de cadeiras, mas evitou alterações profundas no modelo político e econômico que começou a ser construído em maio de 2003, quando Néstor Kirchner assumiu a Presidência do país.

Na prática, a visão opositora é real. O novo ministro da Economia, Amado Boudou (sexto ministro em seis anos), deixará a direção da Anses (o INSS argentino). Aníbal Fernández trocará o Ministério da Justiça pelo cargo de chefe de Gabinete. Seu posto será assumido por Julio Alak, que abandonará a direção da estatizada Aerolíneas Argentinas.

- O que observamos foi o afastamento das duas pessoas menos kirchneristas do Gabinete (Massa e o ex-ministro da Economia Carlos Fernández) - comentou o presidente da Sociedade Rural Argentina (SRA), Hugo Bilocati.

Para o dirigente do setor rural, "é triste que essa seja a leitura do governo sobre o resultado eleitoral". Os produtores rurais do país, que no ano passado protagonizaram uma dura disputa com a Casa Rosada, já anunciaram sua decisão de recorrer ao Congresso como única instituição capaz de atender suas demandas.

As acusações opositoras foram contestadas pelo novo chefe de Gabinete.

- Se as pessoas votaram de uma maneira determinada, é porque pedem a mudança de algumas políticas, e temos de ser suficientemente hábeis para mudar o que considerarmos adequado - declarou Fernández.