Título: Uma aventura
Autor:
Fonte: O Globo, 13/07/2009, Opinião, p. 6

A reforma política é, há muito tempo, termo recorrente na agenda de discussões no Congresso. No segundo mandato do presidente Lula, porém, ela veio acompanhada de certos condimentos inaceitáveis.

Foi quando, sob clara inspiração em Hugo Chávez e seu ¿kit bolivariano¿ de destruição da democracia por meio de instrumentos em si democráticos ¿ referendos e plebiscitos ¿, setores do PT lançaram a tese da Constituinte exclusiva, para executar uma reforma política.

Podia-se ver nas entrelinhas de discursos a intenção de conceder, no mínimo, o terceiro mandato consecutivo a Lula, mediante consulta popular ¿ aqui estava a impressão digital da fonte inspiradora. Aprovar a fórmula numa Constituinte ¿ com maioria simples, portanto ¿ era a única possibilidade de aquele projeto de poder ser executado.

A ideia sucumbiu diante do bom senso de Lula de rejeitar a quebra da regra dos dois mandatos consecutivos, decisão sacramentada no parecer do relator da proposta da possibilidade do terceiro mandato, deputado José Genoíno, do PT paulista.

Não se pode generalizar a visão golpista dentro do PT. A bandeira da Constituinte exclusiva para tratar da reforma seduz gente de boafé, por permitir que se façam alterações na legislação sem a necessidade do quorum qualificado de 3/5.

Mas, antes de tudo, deve-se discutir se a tal reforma política, com mudanças profundas e tudo o mais, é mesmo necessária. Não é.

Duas alterações que costumam entrar na relação de sugestões de aperfeiçoamentos são a votação em lista fechada e o financiamento público de campanha. Sem dúvida, mesmo que uma Constituinte conseguisse aprová-las, estaria indo contra a opinião de parcelas expressivas da sociedade.

O Brasil precisa é de estabilidade de regras. No caso da legislação que rege a atividade político-partidária, o sistema de quatro anos de mandato para cargos no Executivo, com a possibilidade de dois mandatos consecutivos, por exemplo, só agora é testado pelo segundo presidente.

E tem demonstrado ser um sistema positivo. Não há por que alterálo. A rigor, se for definido um conceito de fidelidade partidária que faça jus ao nome, eliminado o senador sem voto (suplente), contidos os fichas-sujas, e se a Justiça ficar operante, já será grande lucro para o país. Sem a necessidade da aventura de uma Constituinte, na qual a nação sabe como entraria, mas não como sairia. O risco não compensa.