Título: Migração de crédito no alvo
Autor: Beck, Martha; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 13/07/2009, Economia, p. 13

Fazenda vai facilitar portabilidade de financiamentos entre bancos, como no setor imobiliário

Pressionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a encontrar saídas para a redução do spread bancário (diferença entre o custo da captação do dinheiro pelos bancos e o valor que eles cobram do cliente), o Ministério da Fazenda decidiu analisar com lupa a portabilidade do crédito no país e estudar medidas para torná-la mais simples. Também está na lista de prioridades dar um impulso especial ao crédito imobiliário, que ainda não saiu do papel em função do alto custo.

Técnicos do Ministério da Fazenda, do Banco Central (BC) e da Caixa Econômica Federal estudam um conjunto de medidas para eliminar entraves à portabilidade. Entre elas, está a mudança da lei do registro imobiliário, para permitir que um mutuário transfira seu financiamento para outro banco, mantendo a mesma hipoteca ou alienação fiduciária.

Também estão sendo avaliadas maneiras de tornar mais rápida e eficiente a transferência do cadastro do cliente de uma instituição para outra. Hoje, os bancos já têm um formulário específico para isso, mas o governo quer que o sistema seja informatizado e atualizado a cada dez dias (prazo estimado para concluir o operação).

Um técnico explicou que, com a nova sistemática, o cliente autoriza o seu novo banco a pedir os dados do financiamento, como saldo devedor e histórico de pagamento. Uma alegação quanto à dificuldade é que o saldo devedor se altera todo dia.

A importância de se informar o histórico de pagamento seria dar ao novo banco a possibilidade de conhecer o perfil do novo cliente. A vantagem, explicou o técnico, é que os bons pagadores teriam uma menor taxa de juros.

Atualmente, quando um cliente pede a migração, a instituição que vai assumir a dívida faz o pagamento para o concorrente de forma eletrônica.

Na avaliação da equipe econômica, a possibilidade de os clientes bancários trocarem de instituição ¿ que deveria servir para estimular a concorrência e reduzir os juros ¿ tem tido pouco efeito. A portabilidade do crédito começou em 2007, mas desde então pouco mudou.

Fontes do governo disseram que, teoricamente, as pessoas podem mudar seu empréstimo de um banco para outro que lhe ofereça juros mais baixos.

No entanto, isso não acontece.

Entre os fatores, estão a burocracia que a operação envolve e as dificuldades impostas pelas instituições.

Uma saída em cogitação consiste em promover campanha para dar publicidade à portabilidade do crédito, adotando em conjunto medidas para simplificar o mecanismo.

Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que, entre junho de 2008 e junho de 2009, foram realizadas 35.461 migrações, no valor de R$ 176,32 milhões. O número é insignificante se comparado ao volume emprestado pelo sistema financeiro, de R$ 1,248 trilhão.

Os técnicos admitem que existe um universo de clientes que ameaçaram migrar para outro banco, mas acabaram negociando sua permanência.

Esse movimento não pode ser mensurado.

O fato é que a portabilidade não atingiu sua plenitude.

Para colocar a portabilidade do crédito imobiliário em prática, o governo precisa enfrentar alguns problemas, como o fato de os contratos habitacionais serem de valores elevados e de longo prazo. O banco que oferece o financiamento faz uma operação de hedge (proteção) no mercado que lhe dê cobertura em caso de inadimplência.

Se o cliente troca de instituição no meio do contrato, o banco fica no prejuízo, devido ao custo cartorial e da operação de hedge

Regras de poupança inibiriam bancos

Na portabilidade de um financiamento imobiliário, a garantia do imóvel ¿ hipoteca ou alienação fiduciária ¿ precisa ser transferida de um banco para outro. Essa operação precisa ser registrada em cartório para ter validade e custa 1% do valor do financiamento.

¿ A portabilidade do crédito imobiliário não funciona porque o custo com cartório é muito alto. Se houver a possibilidade de um banco A ceder o crédito a um banco B e continuar com a mesma hipoteca, isso pode estimular o processo ¿ afirma o diretor do Instituto de Registros Imobiliários no Brasil (Irib), Carlos Fleury.

Outro entrave à portabilidade do crédito imobiliário são as regras da exigibilidade da caderneta de poupança.

Os bancos são obrigados a aplicar 65% dos depósitos em poupança na área de habitação. Quando um cliente migrasse seu financiamento para outra instituição, o banco acabaria descumprindo a regra dos 65%.

Neste caso, uma alternativa em estudo seria considerar o prazo de exigibilidade como um período de 12 meses, e não pontualmente.

Isso significa que o agente poderia ficar acima ou abaixo dos 65% em algum momento, mas o que contaria para o cumprimento da regra seria o prazo de um ano.

Segundo a economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, a migração dos clientes bancários de uma instituição para outra costuma acontecer no caso de financeiras, com as quais o consumidor tem apenas um vínculo, como o financiamento de veículo: ¿ Quando o cliente tem conta no banco, ele tem uma série de serviços que entram na avaliação que ele faz sobre trocar de instituição. Mas achamos que ainda existe pouco conhecimento sobre a portabilidade.

Para o assessor técnico da Febraban, Adeniro Vian, a portabilidade ainda é um processo pouco conhecido.

Ele destacou que as instituições têm uma política de segurar seus correntistas bons e tendem a renegociar a dívida em condições melhores. Além disso, acrescentou, por comodidade, os clientes não têm costume de trocar de banco, a não ser quando mudam de endereço ou de emprego

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