Título: Moeda Falsa
Autor: Pessôa, Álvaro
Fonte: O Globo, 13/07/2009, Opinião, p. 7

Avitória judicial contra o governo dá ao cidadão um título de crédito, que se chama precatório, pois é emitido pelos tribunais. Por ele deve pagar o Estado devedor, mas maus gestores são fujões.

Juízes zelando pelo respeito ao Judiciário, atendendo credores, mandam sequestrar recursos financeiros públicos. Entendem o respeito ao capital. Enxergam o mal moral, que o calote causa ao Judiciário, que é desmoralizado pelos outros poderes. Intuem que esse tipo de calote público desgasta a autoridade. Se a Justiça manda pagar, e os outros poderes armam patranhas para castrar a decisão judicial, ela se esvai! Vira um papelucho desprezível! Moeda pública falsa!

Para os governadores e prefeitos, sobretudo os de São Paulo, a Justiça arrestar o dinheiro que devem é um abuso! Por isso, consideram ameaçada a ¿governabilidade¿ de seus feudos. Resolveram então agir contra os súditos (que os sustentam) e os juízes conscientes. Pediram ao Senado, sendo relator o dr. Renan Calheiros, para ¿arrumar¿ mais uma emenda constitucional, ¿torniquete¿ dando mais 15 (quinze) anos.

Em 1988 a Constituição já dera oito anos; em 1990, dez; e agora querem 15 anos. O operoso senador aprovou tudo, no significativo dia ¿primeiro de abril¿, com o título de PEC 12/09. Recentemente, o dr. Romero Jucá conseguiu embutir em outra lei a falsificação dos índices de correção dos precatórios. Não havendo mais noção de direito natural, tudo vira lei. Com Hitler também foi assim! Aprovada a tal PEC 12/09, o calote totalizará 33 anos de espera! Mais os dez, em média, que os credores litigaram! Meio século sem receber. Na Câmara, o relator é o ilustre dr. Eduardo Cunha, que dispensa adjetivos.

Alterada a Constituição, teremos o Estado ¿irresponsável¿, ¿inimputável¿, ¿imune¿ e ¿isento¿ de pagamentos a quem quer que seja. Nossos filhos serão assassinados pela PM, nossos bens serão destruídos por servidores públicos, nada sendo cobrado e pago pelo Estado.

O Estado no Brasil é, tradicionalmente, um brincalhão. Quando se trata então de pagar o que deve, a farra vira ópera bufa. Isso vem de longe. Quando Dom João V (o mais rico rei da cristandade) faleceu, a Coroa Portuguesa devia tanto que os empregados não recebiam seus salários havia mais de 15 ANOS. Nesse campo, os servidores aprenderam a se defender. Bastam hoje 15 DIAS de atraso e a casa vem abaixo.

Para que fazer economia e assegurar governabilidade? É muito mais fácil ao morcego público sangrar as artérias privadas. Essa medida, quando aprovada, terá consequências para nosso crédito internacional. O calote está sendo patrocinado por políticos que pretendem governar o Brasil, mas se escondem atrás de seus secretários de Fazenda, executores do trabalho sujo.

Desconhecem esses ¿vice-reis¿ o que é moeda, confiança e crédito. Agindo assim, estarão legitimando todas as formas de trapaças, burlas e sonegações, pois o Estado terá passado a ¿assaltar¿ os cidadãos, furtando-os nos índices de correção (já conseguido) e dando-lhes o calote eterno. Saberão o que é um estadista?

ÁLVARO PESSÔA é advogado.