Título: De vira-latas e pitbulls
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 11/07/2009, Opinião, p. 7

A reunião de cúpula do G-8 na Itália, nesta semana, parece ter confirmado que esse agrupamento está praticamente esgotado (¿morto¿, teria afirmado o ministro Celso Amorim). O mínimo que se pode dizer é que o G8 já não possui, nem de longe, a proeminência que teve até a eclosão da crise econômica mundial.

Com a transformação do G-20 em fórum de chefes de Estado e de governo, desde fins de 2008, o G-8 perdeu muito do seu espaço e da sua razão de ser. No FMI, por exemplo, os comunicados do G-20 passaram a ser, na prática, a principal referência.

Antigamente, era o G-7 (que inclui os EUA, o Japão, os quatro grandes países europeus e o Canadá) que definia as linhas gerais da agenda do Fundo e de outros organismos internacionais. Depois, a Rússia foi incorporada, e o G-7 virou G-8. Mas a Rússia nunca chegou a ser um membro pleno e efetivo do grupo.

Para o Brasil, essa mudança é boa. O G-20 inclui países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

Trata-se de um foro que delibera por consenso. Se soubermos trabalhar bem, o nosso país poderá ter uma influência crescente no plano internacional.

Não temos evidentemente garantia de nada. Os nossos representantes têm que estar bem preparados, devem ter garra e espírito de luta. E capacidade de costurar as alianças certas.

Se não fizermos isso, o G-20 poderá até ser usado contra nós.

Esse último parágrafo é de uma obviedade constrangedora. Se eu fosse americano ou europeu, não precisaria escrevê-lo. Mas a verdade, leitor, é que o brasileiro ainda fraqueja,aindadecepciona . O ¿complexo de vira-latas¿ está sempre à nossa espreita, sempre a nos rodear. Vamos tentando superá-lo, e temos tido algum sucesso nessa autossuperaçao. Mas, volta e meia, temos recaídas preocupantes.

Estou exagerando? Talvez. Há casos piores, bem piores que o nosso.

Vou dar alguns exemplos (e espero que esse artigo não seja lido no exterior).

Antes dos exemplos, uma rápida explicação. Para onde caminha o sistema de governança mundial? Nunca se sabe, mas o restabelecimento do G-7/G-8 como fórum principal parece uma hipótese descartada.

Há duas possibilidades principais no momento: 1) consagrar o G-20, de forma permanente, como ¿diretório mundial¿; ou 2) ampliar o G-8 para incluir mais cinco ou seis países.

Essa segunda hipótese, que parece contar com a simpatia de alguns países europeus, não é a mais favorável a nós. Um eventual G-14, por exemplo, somaria ao G-8 a China, o Brasil, a Índia, o México, a África do Sul e o Egito. Não quero ser indelicado com ninguém, mas não posso deixar de dizer o seguinte: os três últimos países citados parecem sofrer, em alto grau, do ¿complexo de vira-latas¿. Perto deles, o Brasil parece um pitbull. E não preciso dizer mais nada.

O G-20 é um terreno mais propício.

Do G-20 fazem parte todos os integrantes do eventual G-14 (menos o Egito) e mais a Austrália, a Arábia Saudita, a Argentina, a Coreia do Sul, a Indonésia e a Turquia.

O Brasil tem mais jogo com os três outros integrantes dos Brics (China, Índia e Rússia) e com a nossa aliada tradicional, a Argentina. Mas pode juntar forças com outros países em desenvolvimento (Indonésia, Coreia do Sul e Turquia, por exemplo) e com alguns países desenvolvidos, especialmente os EUA e o Japão.

Os mais difíceis, pelo menos no que diz respeito a FMI e G-20, são os europeus. Há diversas exceções, nem todos os países europeus são igualmente conservadores.

Mas, de uma forma geral, podese dizer que o velho continente se transformou no mais aguerrido defensor do status quo internacional.

Os seus representantes fazem de tudo, recorrem a todos os truques, manobras, artifícios e pressões.

Os europeus são os verdadeiros pitbulls.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional.

E-mail: pnbjr@attglobal.net.