Título: Araguaia: Exército dispensa ajuda de moradores
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 12/07/2009, O País, p. 13

Alguns mateiros sabem onde os guerrilheiros foram enterrados", diz uma das testemunhas da guerrilha na região

SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA (PA). Ao escalar a equipe que procura novas ossadas de mortos da Guerrilha do Araguaia, o governo deixou de fora as únicas pessoas que juntam o conhecimento da região à memória viva do conflito. São camponeses que ajudaram a esconder militantes do PCdoB na selva, sofreram o terror da repressão e permaneceram na área após a vitória da ditadura. Ignorados pelo Ministério da Defesa, eles criticam a decisão de limitar o grupo de busca a militares e "forasteiros" civis.

A queixa é unânime entre os moradores mais antigos de São Domingos do Araguaia (PA), um dos epicentros da guerrilha. Eles duvidam que o governo consiga descobrir o paradeiro dos corpos sem a ajuda de lavradores que apoiaram os comunistas e mateiros (desbravadores da floresta) que atuaram dos dois lados do confronto.

- Como é que eles vão escavar sem saber onde estão pisando? Sem ouvir as pessoas daqui, não vão encontrar nada. Vai ser um dinheiro perdido - aposta Pedro Nascimento, de 70 anos.

Adolescente na época da guerrilha, Luiza Silva diz acreditar que o desmatamento nas últimas três décadas reduz ainda mais a chance de sucesso das buscas.

- Alguns mateiros sabem onde os guerrilheiros foram enterrados. Mas vai ser difícil encontrar, porque muita gente sumiu e os lugares também mudaram. Derrubaram muita mata para plantar capim e encher de gado - diz ela, que é filha de Manuel Leal Lima, o Vanu, testemunha da execução de três militantes presos.

A entrega do comando das buscas ao Exército também inspira desconfiança entre os moradores. Odílio Moraes, de 69 anos, não chegou a ser preso, mas foi chamado de terrorista pelos militares após ser arrancado de casa a socos e pontapés. Ele conta que um dos agressores foi o major Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió.

- Tenho raiva do Exército. Eles chegaram batendo, invadindo as casas, nem perguntavam o nome dos moradores. Eu nem sabia o que era terrorista - diz Odílio, cuja pequena lavoura foi incendiada pelos militares. - Depois, trabalhei alugado numa fazenda para dar de comer à minha família.