Título: Covil do tráfico
Autor: Costa, Ana Cláudia
Fonte: O Globo, 12/07/2009, Rio, p. 4

Com estratégia de guerra e 200 fuzis, Alemão se prepara para enfrentar nova invasão policial Ana Cláudia Costa Considerado o escritório central da maior facção criminosa do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão se arma cada vez mais e parece pronto para enfrentar a polícia. Dois anos após o maior confronto com policiais, onde 19 supostos traficantes morreram, o local é o entreposto de drogas e armas de sua facção. Com a saída da Força Nacional das entradas da favela, armas e drogas continuam entrando livremente no local, revelaram fontes de inteligênica da polícia. A favela se tornou uma das mais armadas do Rio. Apesar de a polícia não fazer incursões no local há quase um ano (a última aconteceu em setembro do ano passado para resgatar o corpo do traficante Antônio José Ferreira, o Tota), o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, garante que a polícia vai voltar lá, e ressalta que o trabalho será feito com inteligência e planejamento: ¿ O que diz que teremos que ir até lá ou não é a investigação. Nós nunca deixamos de investigar o Alemão. Estamos montando dados de inteligência precisos e vamos entrar na hora certa ¿ disse o secretário. De acordo com fontes de inteligência da polícia, nesse período, os traficantes da região, chefiados por Luciano Martiniano da Silva, o Luciano Pezão, teriam construído várias casamatas, inclusive subterrâneas, em galerias pluviais. As fortalezas teriam sido edificadas aproveitando o movimento de operários das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essas fortificações, que possibilitariam ao tráfico sustentar horas de tiroteio com a polícia, ficariam nas principais entradas dos morros, como as ruas Joaquim de Queiroz, Relicário, Canitar e Antônio Austregésilo. Paredões de concreto no alto do morro Segundo fontes da Polícia Civil, também foram erguidos, no alto do morro, como na Grota, na Pedra do Sapo e na Fazendinha, verdadeiros paredões de concreto. A existência das casamatas e das passagens subterrâneas também é admitida pelo chefe de Polícia Civil, delegado Allan Turnowski. Ele disse que, já na operação policial em 2007, traficantes fugiam por galerias de águas pluviais. O delegado, no entanto, disse desconhecer que novas galerias tenham sido construídas por traficantes durante as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, faz coro com o chefe de Polícia Civil e acrescenta que a inteligência ainda está checando as informações recebidas sobre a existência das tais galerias subterrâneas. ¿ Sei que eles têm lá muitas casamatas, além de terem aberto buracos no meio da estrada para impedir a entrada de carros da polícia. Estamos checando a informação de fugas por galerias ¿ disse o secretário. Dados da Delegacia de Combate às Armas e Explosivos (Drae) dão conta de que, somente no Complexo do Alemão, traficantes teriam muito mais que 200 fuzis. O bando teria ainda mais de 20 metralhadoras .30. Tal investigação da titular da Drae, Márcia Beck, se confirmou com a prisão, no último dia 15, do traficante de armas Antônio Jorge de Carvalho, o Tony, conhecido também como Senhor das Armas, em alusão ao filme americano estrelado por Nicolas Cage. Somente no mês de junho, 39 armas de grosso calibre, entre fuzis e metralhadoras .30, teriam sido levadas por ele para o Complexo do Alemão. Bando rouba carros em outras áreas Apesar do poderio bélico, o chefe da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), Marcus Vinícius Braga, disse que o perfil da quadrilha do Complexo do Alemão mudou com a morte do traficante Tota. Segundo o delegado, o novo chefe do tráfico no local, Luciano Pezão, é mais tranquilo e não quer roubos de carros ou confrontos em sua área para evitar as investidas da polícia. Tal perfil é demonstrado na queda do número de roubos de automóveis registrado pela Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) nos últimos dois anos. Em junho de 2007, foram 86 carros roubados na região, contra os 80 em junho 2008, e os 55 carros levados por bandidos em junho. ¿ Isso não significa que esse cara é um santo. Ele não rouba perto do morro para a polícia não investir na favela, mas continua mandando bandidos roubarem carros em outras regiões ¿ esclareceu o delegado Márcio Mendonça, titular da DRFA. A aparente tranquilidade na área também não convence o delegado titular da Dcod. Braga disse que a quadrilha do Alemão evita confrontos com a polícia desde a incursão de junho de 2007. O delegado acrescentou que está investigando a quadrilha e já tem contra o bando cerca de 50 mandados de prisão, que serão cumpridos em breve. Dentre os procurados, estão os traficantes Diego Raimundo da Silva Santos, o Mister M; Luciano Pezão e outros dois bandidos, identificados apenas como Estevão e Igor. Segundo Marcus Vinícius Braga, uma incursão nessa favela demanda investigação e planejamento. Ele explicou que, para entrar e dominar a região, que possui 17 favelas, são necessários pelo menos mil policiais. A estratégia da polícia dessa vez, segundo ele, terá que ser diferente e mais apurada, uma vez que traficantes da mesma facção agora dominam também o Morro do Adeus, que fica em frente ao Complexo do Alemão. ¿ Nós vamos lá com certeza e em breve. Basta finalizarmos a investigação e o planejamento para entrarmos no Alemão¿ disse Marcus Vinícius Braga. O delegado Allan Turnowski confirma: ¿ Eles que esperem. Tudo tem hora certa. Sei que vai ter um grande confronto, mas só na hora em que a inteligência nos sinalizar para subirmos aquele morro.

Guerra começou com a morte de policiais

PM passou a fazer constantes operações na Vila Cruzeiro a partir de maio de 2007 A guerra travada entre a Secretaria estadual de Segurança Pública e traficantes do Complexo do Alemão começou em maio de 2007, quando policiais militares começaram a fazer constantes operações na Vila Cruzeiro para tentar prender bandidos que teriam matado policiais que estavam de plantão no bairro de Oswaldo Cruz. As investidas da polícia, que começaram na Penha, logo se estenderam para favelas em Olaria e Ramos, onde fica um dos maiores complexos de favelas do Rio. Ao longo de dois meses e de diversas operações, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar, pelo menos 71 pessoas morreram e mais de 70 ficaram feridas. O marco da ocupação policial na região aconteceu em 27 de junho de 2007, quando 1.350 policiais civis e militares realizaram uma megaoperação no Complexo do Alemão. A intensa troca de tiros durou um dia inteiro. Para resistir à pressão policial, traficantes utilizaram até mesmo táticas de guerrilha destampando galerias de escoamento de águas pluviais e atravessando carros roubados no meio das pistas. Na ocasião, 19 homens, que segundo a polícia eram traficantes, morreram no confronto. Para tentar neutralizar o poder de fogo dos traficantes, a Força Nacional foi convocada para fazer o patrulhamento nas entradas do Complexo do Alemão. Mesmo depois do dia 27 de junho, os confrontos eram quase que diários. Após essa grande operação, traficantes do Alemão conseguiram tomar o Morro do Adeus, que fica em frente ao complexo e que, segundo a polícia, tornou o local cada vez mais parecido com um barril de pólvora. No ano passado, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, chegou a anunciar que a ocupação na região iria seguir o exemplo do trabalho do governo colombiano, em 2002, na Comuna 13, uma favela da cidade de Medellín. Na Colômbia, segundo o secretário, foi necessário um contingente de mais de 3 mil homens, que cercaram a região por todos os lados. Foram quase três semanas de intensos tiroteios, que deixaram pelo menos 13 mortos e 35 feridos. INCLUI QUADRO: SAIBA MAIS SOBRE O ALEMÃO