Título: Esquentando a floresta
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 12/07/2009, Economia, p. 25

MP investiga 113 empresas fantasmas que "legalizaram" madeiras derrubadas de áreas preservadas no Pará

OMinistério Público Federal (MPF) está investigando o comércio ilegal de madeira no Pará. A operação é liderada pelo procurador Bruno Soares Valente, que já listou 113 empresas fantasmas no estado. Estão na mira da Justiça um total de três mil empresas, entre pequenas, médias e grandes do setor madeireiro. Subtraída de terras indígenas ou unidades de conservação federais, a madeira passa por um processo de "esquentamento", que dá ao produto uma aparência 100% legal. Depois de "esquentada", ela entra na cadeia produtiva e vai parar no estoque de gigantes do setor moveleiro e de construção civil de Estados Unidos, Europa e Ásia, além do que fica no mercado interno. O Pará é hoje o maior exportador de madeira tropical do país.

No próximo mês, a Procuradoria vai apresentar a denúncia, seguindo o modelo de ação adotado contra frigoríficos e fazendas de gado acusados de venderem carne de área desmatada. O cerco à pecuária começou em junho e terminou na última quarta-feira, com acordo fechado entre o governo paraense e o MPF. As empresas acusadas assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Enquadrar as empresas de madeira no estado é a meta dos procuradores, que devem acusá-las de crime ambiental.

- A madeira que sai do Pará está alimentando um comércio clandestino, que esquenta produtos florestais - denuncia Valente, destacando o papel de várias empresas que não têm existência física e, no entanto, movimentam quantidades consideráveis de créditos do Sistema de Projetos da Flora (Sisflora, um guia que autoriza a exploração florestal). - Encontramos até oficina mecânica vendendo madeira.

Madeireiro joga a culpa no governo

Ao reconstituir a cadeia produtiva do setor de madeira, o estudo "Quem se beneficia com a destruição da Amazônia?" acabou descobrindo que grandes exportadoras de madeiras do estado estão envolvidas com o comércio ilegal. O relatório levou nove meses para ficar pronto e foi feito em conjunto por especialistas do Fórum Amazônia Sustentável, Movimento Nossa São Paulo e Instituto Observatório Social. O estudo concluiu que as empresas no exterior, apesar de "não participarem diretamente do esquentamento da madeira, acabam financiando o círculo vicioso no Brasil".

As pistas de ilegalidade que estão sendo seguidas no Pará pelo MPF vão da invasão por hackers do sistema da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) - para falsificar documentos - até provas de corrupção envolvendo servidores do órgão. Segundo a Procuradoria, há depoimentos que provam o pagamento de propina, de R$200 mil, para empresas que sequer operam com exploração florestal. Além de oficinas mecânicas, os procuradores encontraram casos de lojas de autopeças e terrenos baldios vendendo madeira ilegal para grandes empresas exportadoras do Pará.

Mesmo sendo o maior exportador de madeira tropical do país, o Pará virou um receptor de madeira de outros estados, "o que causa estranheza" entre os procuradores. Só em 2008, o Pará exportou US$631 milhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior. As operações interestaduais colocam hoje o Pará na lista dos dez estados que mais recebem certificados de madeira de outros locais. Só que as operações, segundo a investigação do MPF, ficam só no papel, já que o interesse das empresas é o carimbo que autoriza a comercialização do produto, e não a madeira em si.

- A culpa de tanta ilegalidade é do próprio governo, que não está cumprindo o Pacto pela Madeira Legal e Sustentável, assinado no ano passado - cutuca Adacir Peracchi, presidente da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex). - Estamos fazendo nossa parte, mas o governo até agora não tirou do papel a concessão florestal de 4 milhões de hectares, o que seria fundamental para acabar com a ilegalidade no estado.

Na próxima quarta-feira, os empresários do setor se encontram com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para cobrar uma posição do governo sobre a concessão florestal para exploração de madeira. A reunião será em Brasília.

Por ter virado um receptor de madeira de outros estados, a investigação no Pará estendeu-se por Amazonas, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso. Os MPFs desses estados enviaram dados de HDs dos seus arquivos para serem analisados no Pará.

- Nós precisamos dar um basta na ilegalidade, porque está comprometendo as empresas sérias - avalia Roseniro Canto, secretário adjunto da Sema.