Título: Sem rateio no pré-sal
Autor: Barbosa, Flávia; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 10/07/2009, Economia, p. 23

Participação Especial do petróleo deve ficar só com a União. Rio seria o estado mais prejudicado

Praticamente concluído o trabalho técnico, a comissão ministerial que elabora as regras de exploração do petróleo na camada do pré-sal vai repassar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a tarefa política de definir a destinação da renda auferida com a produção em águas ultraprofundas. Caberá a Lula decidir, primeiramente, se a parcela entregue pela empresa operadora dos blocos à União será partilhada com estados, municípios e o Distrito Federal.

A tendência é não haver divisão do bolo, acabando na prática com a chamada Participação Especial (PE) ¿ que representa hoje 51,7% da renda diretamente obtida nos campos. O pagamento de royalties continuará, pois é obrigação constitucional. Mas o presidente terá que dizer se a alíquota será maior, igual ou menor do que os 10% que vigoram hoje.

As mudanças vão valer apenas para a exploração do pré-sal. Não haverá alteração nas regras para os campos já concedidos e os que serão explorados sobre o regime de concessão, que estão na camada do póssal . A polêmica potencial está sobre a expectativa frustrada de estados e municípios, que esperam receber muito mais dos novos campos.

Nitroglicerina pura, às vésperas de ano eleitoral, a discussão sobre a divisão da renda do petróleo será alvo de disputa no Congresso e de chiadeira de governadores e prefeitos. A decisão de Lula importa para as 27 unidades da federação, pois o pré-sal vai gerar números bilionários em riquezas.

Mas terá peso de veredicto para o Estado do Rio.

O Rio abocanhou, em 2008, 95% dos R$ 4,678 bilhões distribuídos em participações especiais a seis estados e 69% dos R$ 3,29 bilhões em royalties recebidos por 17 unidades da federação. No total, PEs e royalties renderam ao Brasil R$ 22,65 bilhões no ano passado, dos quais 45% ficaram nos cofres fluminenses.

¿ Este é um tema essencialmente político, que mexe com o pacto federativo e é delicado mesmo ¿ resumiu ao GLOBO um dos integrantes do grupo interministerial que elabora a nova legislação. ¿ Até por esta razão acho que o assunto está sendo empurrado para ser a última coisa a ser definida.

Lula pode decidir por rateio ou fundo

Atualmente, o artigo 20 da Constituição obriga o pagamento de ¿compensação financeira¿ pela exploração do petróleo, o que é traduzido como royalty pelos advogados do governo. Por isso, o recolhimento de royalties ¿ parcela da receita auferida nos campos, paga a título de compensação pelos prejuízos causados pela exploração ¿ será mantido.

Uma lei de 1989 estabeleceu esse pagamento em 5%, e a Lei do Petróleo, de 1997, somou outros 5%.

Nos dois casos, a legislação se aplica ao regime de concessão.

Já a Participação Especial, de até 40% ¿ na prática um imposto ¿ não é constitucional, sendo definida por decreto presidencial. Trata-se de uma criação da legislação de 1997 para o regime de exploração hoje em vigor e foi pensada como uma forma de garantir um naco de receita para o governo na exploração de óleo.

Mas, com a adoção do regime de partilha de produção, isso vai mudar.

Conceitualmente, no novo regime, a parcela entregue à União funcionará como a PE. O problema político colocado na mesa é que, neste contexto, só o Tesouro Nacional receberia esse dinheiro. Os demais entes da federação ¿ 37 municípios e seis estados ¿ vão perder essa bocada.

Uma das opções a serem apresentadas ao presidente é a possibilidade de rateio desses recursos, frutos da partilha, da forma como ocorre hoje.

Mas uma corrente refuta a ideia, preferindo que o dinheiro seja canalizado para um fundo, que iria dividi-lo proporcionalmente com todos os estados e municípios ou administrá-lo integralmente, mas em benefício de todas as unidades da federação.

Discussão dominará reunião ministerial

Seria um fundo soberano (ou o mesmo) como o que será montado para receber a parte da União no présal.

Esse dinheiro será reinvestido, no Brasil e no exterior, e o governo poderá fazer uso da remuneração que ele render. Educação e gastos sociais serão os alvos principais.

¿ Pela lógica, o que a União recebe no regime de partilha é óleo.

E o pré-sal é um campo de grande volume. Então, não tem sentido, em tese, ter Participação Especial no pré-sal ¿ explicou um técnico.

No caso do royalty, o presidente terá de decidir se manterá a alíquota atual de 10% ou se vai alterá-la no projeto de lei. Como essa questão tem implicações políticas, os técnicos apresentarão ao presidente a proposta de nova regulamentação com um espaço em branco ao lado do percentual. A tendência hoje é que o presidente opte pelo politicamente menos arriscado, que é a manutenção da divisão. As modificações, se ocorrerem, seriam de responsabilidade do Congresso.

Segundo um observador direto das discussões, será preciso responder a três questões. A primeira é qual a nova alíquota. A segunda é como será a divisão entre União, estados e municípios.

A terceira, não menos importante, é sobre os critérios dessa divisão federativa: que estados e municípios poderão receber os royalties.

A engenharia política, diz uma fonte, passará também pela forma de encaminhar a questão ao Congresso.

Uma hipótese é mandar apenas um projeto de lei, englobando tanto as regras do novo marco regulatório quanto a sinalização de como será o mecanismo de pagamento de royalties. Outra é enviar dois projetos separados.

A complexidade política dessas definições vai atrasar ainda mais o envio da proposta ao Congresso.

Previsto inicialmente para o fim de julho, só deve ocorrer agora no encerramento de agosto.

Agenda de um grupo restrito de ministros nos últimos 12 meses, as discussões serão ampliadas. O pré-sal será o principal tema da reunião ministerial que o presidente Lula comanda na segunda-feira, na Granja do Torto. A intenção do Palácio do Planalto é expor o assunto e preparar a equipe, pois pretende que o pré-sal domine a pauta dos parlamentares no segundo semestre.

Lula pretende usar o pré-sal também como uma estratégia para se contrapor aos debates da crise no Senado e à CPI da Petrobras, que deve ser instalada na terça-feira

COLABOROU: Luiza Damé