Título: Obama, o cara e os aiatolás
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 10/07/2009, O Mundo, p. 29

Presidente dos EUA pede a Lula que atue em intermediação sobre programa nuclear do Irã

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu ontem ajuda ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para convencer o Irã a não desviar seu programa nuclear para fins bélicos. Ou seja: quer que os brasileiros usem sua boa relação com o Irã para pressioná-lo na direção dos acordos internacionais ¿o que significa um reconhecimento da projeção cada vez maior do Brasil no plano internacional.

O governo brasileiro ambiciona uma vaga permanente numa versão ampliada do Conselho de Segurança da ONU.

Ao relatar 30 minutos de encontro entre Lula e Obama, ontem, durante a reunião de cúpula do G-8 (os sete países mais ricos, mais a Rússia) na Itália, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse que a boa relação do Brasil com o Irã abre uma ¿oportunidade única¿ para fazer passar a mensagem do G-8. Obama, segundo Gibbs, enfatizou que ele e Lula estão de pleno acordo com o comunicado do G-8 na questão do Irã. O texto deplora a violência depois das tumultuadas eleições no país, e dá mais uma chance ao Irã para que busque uma solução diplomática a seu programa nuclear, fixando uma revisão do debate na próxima reunião do G-20, no dia 24 de setembro, em Pittsburgh. Washington e os membros do G-8 suspeitam de que Teerã esteja usando seu programa nuclear para desenvolver armas de destruição em massa. O Irã nega. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, deu um tom de ultimato ao comunicado do G-8.

¿ Faz seis anos que dizemos aos iranianos: parem com o programa nuclear. Se não houver avanços, seremos levados a tomar decisões ¿ alertou Sarkozy.

Segundo o porta-voz de Obama, ¿obviamente¿ o Brasil, por conta de sua ligação estreita com o Irã, tem peso.

¿ Por causa da força de sua relação comercial e da profundidade de suas relações, eles (brasileiros) podem ter um impacto em reiterar, apesar dos acordos de relação de negócios entre Brasil e Irã, que o governo iraniano ainda tem responsabilidades com a comunidade internacional em relação ao programa de armas ¿ disse.

Gibbs disse que Obama também acredita que o Brasil pode ser um forte parceiro estratégico dos EUA, argumentando haver várias questões em que os dois podem cooperar. O ex-presidente George W. Bush via Lula como um interlocutor na América do Sul. Mas Obama, que chamou Lula de ¿o cara¿ na cúpula do G-20 em Londres, vê parceria com o presidente brasileiro em outros continentes. Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, viu o pedido em relação ao Irã com naturalidade: ¿ Como os EUA não reconhecem o Brasil só como um ator regional, mas também como ator global, ele (Obama) pediu um engajamento maior nosso. Não tem problema.

Parceria estratégica e muito lucrativa

Honduras, crise econômica mundial e mudanças climáticas foram outros temas da conversa dos dois presidentes. Lula parabenizou Obama por condenar o golpe em Honduras e unir-se aos protestos e esforços da Organização dos Estados Americanos (OEA) para reverter a situação.

O encontro terminou com Lula entregando a camisa da seleção brasileira assinada por todos os jogadores que disputaram a Copa das Confederações.

O Brasil venceu a Copa derrotando os Estados Unidos por 3 a 2. Lula contou a Obama que no primeiro tempo do jogo, quando o Brasil perdia por 2 a 0, ele dizia, repetindo o refrão da campanha do americano, ¿sim, nós podemos!¿. E o jogo virou. Quando o encontro terminava, Obama disse a Lula, segundo seu porta-voz: ¿ Eu só tenho mais uma coisa a dizer: nós não vamos perder de 3 a 2 novamente.

A questão nuclear é um tema que já faz parte da agenda nas relações entre Brasil e Irã. O governo iraniano espera uma oportunidade para pedir apoio às autoridades brasileiras a seu programa, argumentando que se espelha no modelo brasileiro, com orientação pacífica.

O assunto seria discutido diretamente pelos presidentes Lula e Mahmoud Ahmadinejad, em uma visita marcada para maio, que acabou não acontecendo. Diante das fortes críticas recebidas pelo governo brasileiro e o cenário político difícil no Irã, a viagem de Ahmadinejad ao Brasil acabou sendo adiada para depois das eleições presidenciais naquele país. Ainda não há nova data marcada.

As relações entre Brasil e Irã, contudo, vão além da questão nuclear. Os interesses em comum passam pelas áreas de energia, petróleo e gás, tecnologia e, principalmente, comercial. Um dos objetivos do Irã é quintuplicar o comércio, levando o fluxo (soma de exportações e importações) a US$ 10 bilhões em cinco anos. A balança comercial é amplamente favorável ao Brasil, que registrou, nos cinco primeiros meses, superávit de US$ 396 milhões. O país é considerado uma ponte para que o Brasil aumente sua participação no processo de paz no Oriente Médio.

COLABOROU: Eliane Oliveira