Título: Sem âncora
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Fonte: O Globo, 19/07/2009, Opinião, p. 6

O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne esta semana, e o mercado financeiro espera mais um corte na taxa básica de juros (Selic), já em um dígito (9,25%). As condições da economia mundial e o comportamento da demanda interna abriram espaço para a redução dos juros básicos no Brasil, pois o risco de não cumprimento das metas de inflação este ano e em 2010 são mínimos.

Da conta de juros provavelmente virá em 2009 a maior contribuição para que as finanças públicas ainda registrem indicadores razoáveis (especialmente se comparados aos que começam a ser apresentados pelas economias mais afetadas pela crise financeira internacional).

A redução dos juros está entre os grandes desafios econômicos do Brasil desde que o ambiente de estabilidade monetária começou a se consolidar no país. O regime de metas de inflação e câmbio flutuante ajudou a política monetária a administrar esse processo de ajuste, mesmo nos períodos em que o crescimento da demanda doméstica se aproximou do chamado PIB (Produto Interno Bruto) potencial. O espaço para cortes nos juros básicos foi se ampliando à medida que os superávits primários diminuíram as necessidades de financiamento do setor público, propiciando a rolagem da dívida sem pressões sobre o mercado. Assim, a relação entre a dívida e o PIB chegou a recuar para um patamar próximo ao que se encontrava no lançamento do real ¿ abaixo dos 40% ¿, indicando aos agentes econômicos que o custo de estabilização da moeda já havia sido quase que totalmente absorvido.

Mas os impactos da crise internacional sobre a economia brasileira se refletiram na arrecadação tributária ¿ em queda há oito meses ¿, na qual o governo se apoiava para obter os superávits primários. Face aos indicadores que haviam sido alcançados nas contas públicas, o governo abriu a torneira das despesas, centradas no custeio, e não voltou atrás quando a receita começou a encolher.

Essa liberalidade infelizmente pode anular o esforço feito para redução das taxas de juros. Até porque boa parte dos gastos contratados é na forma de salários de servidores, que são permanentes.

E sem uma boa âncora fiscal, quando a economia brasileira se recuperar talvez não seja possível manter as taxas de juros nos novos patamares que não estão tão distantes da média mundial.

O fôlego demonstrado pelas despesas públicas faz crer que podemos estar na fase final do ciclo de cortes nos juros básicos.