Título: Um toque feminino na PM
Autor: Autran, Paulo
Fonte: O Globo, 19/07/2009, Rio, p. 17

Três mulheres da primeira turma de oficiais chegam, enfim, ao comando

UM POLICIAL BATE continência para a comandante Solange, acompanhada da amiga Edite Bonfadini

ANA SICILIANO, Solange Vieira e Edite Bonfadini no dia da formatura

A OFICIAL Solange Vieira passa batom em seu novo gabinete: ela comanda 342 homens

EDITE BONFADINI, comandante do batalhão da Praça Tiradentes, diante de seus bibelôs

Paula Autran

Juntas na foto esmaecida da formatura da primeira turma de oficiais femininas da Polícia Militar, de 1983, elas agora se preparam para figurar em outros quadros de fotografias: os dos comandantes de batalhões de área, até hoje uma espécie de Clube do Bolinha como ainda é hoje o alto escalão da PM. No ano em que a corporação completou 200 anos, as tenentes-coronéis Solange Helena do Nascimento Vieira e Edite dos Reis Nani Bonfadini estão entre as primeiras a assumir o posto, há onze dias, no 4º BPM (São Cristóvão) e no 13º BPM (Praça Tiradentes), respectivamente. Juntou-se às duas, na sexta-feira, a também colega de turma Ana Cláudia Siciliano, que comandou dois batalhões operacionais, o de Policiamento de Vias Especiais (BPVE) e o de Trânsito (BPtran). Ela estará à frente do Regimento de Polícia Montada (RP-Mont) a partir desta semana.

¿ Não quero aparecer neste quadro tão cedo! Nossa foto só vai para lá quando deixamos o comando ¿ brinca Edite, de 47 anos de idade e 27 de polícia, apontando para o painel que reúne as fotografias de 33 ex-comandantes do 13º BPM desde 1966, ao lado de Solange, sua amiga desde 1982, quando se conheceram na fila da inscrição para o concurso da PM. ¿ Nossa turma se reúne quase todo mês, incluindo os homens. Éramos 14 mulheres, mas só onze se formaram. Quatro pediram baixa e uma foi reformada.

No gabinete, elefantinho, sapo, aquário e cristais

Desde que assumiu a nova função, a bem-humorada Edite ainda não virou de lado o aviso de pendurar na maçaneta da porta, que trouxe de casa: ¿Tô calminha¿ (no verso consta ¿Tô estressada¿). Católica, solteira e sem filhos, esta moradora da Zona Oeste trouxe na mudança da sala onde era subdiretora da Diretoria Geral de Apoio Logístico (Digal) da PM para seu novo gabinete itens bem diferentes da bandeira do Flamengo que pertencia ao seu antecessor (embora seja este seu time também). Agora a decoração inclui um elefantinho e um aquário de mentira. Além de uma mesinha lotada de cristais, bonequinhas vestidas de PM (uma delas a ¿tenente Nani¿) e um sapo.

¿ Tem muito mais presentes em uma caixa fechada, mas não coube. O elefante e o sapo me foram dados pela esposa de um sargento com quem trabalhei, para dar sorte e dinheiro. Só não quero ganhar barriga, que chamamos de ¿kit coronel¿ ¿ conta ela, filha de militar, irmã de PM e sobrinha de policial federal, hoje no comando de 442 homens e seis mulheres. ¿ Nasci na Vila Militar e sempre frequentei quartel. Não vou dizer que sonhava em ser policial naquela época. Pensava era em fazer turismo...

No batalhão de São Cristóvão, o toque feminino no comando também já está sendo sentido pela tropa. Nem tanto na decoração, mas no dia a dia.

¿ Tenho conversado com os policiais que estão respondendo a processos administrativos por, por exemplo, não cumprimentos de ordens, atrasos e desatenções. Não posso julgá-los sem olhar no olho. E eles precisam de uma oportunidade de rever seus atos, e se modificar. É muito fácil assinar embaixo de uma punição. O difícil é tentar ser justo. O líder não é só o que dá ordens, mas o que dá o exemplo ¿ explica (depois de retocar o batom) Solange, de 48 anos, que também conversa com seus 343 homens (quer dizer 342, mais uma mulher, que é cabo) sobre postura, limpeza do uniforme, família, filhos... ¿ Alguns me dizem que nunca alguém tinha falado com eles sobre esses assuntos. Todos estão sendo muito receptivos.

Que o diga o segundo-sargento Reginaldo, ajudante de ordens do batalhão:

¿ A experiência de ter uma comandante mulher tem sido maravilhosa. A mulher geralmente tem um jeito especial de falar. Nós é que estamos tendo que nos policiar para não falarmos mais besteiras.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que terça-feira passada fez uma visita surpresa para Solange, também é só elogios.

¿ Vocês são fantásticas, conseguem fazer as coisas melhor do que os homens. Tenho mania de fazer visitas assim. Vim para dizer que estou tão feliz quanto vocês ¿ avisa ele, que se despediu com dois beijinhos.

Evangélica, comandante sugere leitura de `Salmo 91¿

Separada há quatro anos de um policial, Solange brinca que agora vive sob a vigilância do filho de 17 anos, aluno da Escola de Cadetes da Aeronáutica (Epcar), em Barbacena.

¿ Ele nasceu em 1992. Nos primeiros três meses de gravidez, eu trabalhava na rua normalmente. A barriga foi crescendo e, para poder andar armada, tinha que colocar a arma numa bolsinha à tiracolo ¿ relembra.

Evangélica da Igreja Internacional da Graça de Deus, Solange diz que ir ao culto aos domingos é um dos lazeres a que se permite quando não está trabalhando nos fins de semana, assim como ler e ver a novela das 21h e filmes na TV a cabo. Seu livro de cabeceira ¿ ¿Salmo 91¿, de Peggy Joyce Ruth ¿ periga virar o de toda a tropa.

¿ O salmo 91 (¿... Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei...¿) é o do PM. É isto que o livro mostra. Vou recomendar que meus comandados leiam também ¿ adianta ela, que cursou até o terceiro ano de engenharia e fez o curso superior da PM, na UFF, antes de ser diretora-geral de Apoio Logístico. ¿ Sempre achei bonita a vida militar, com hierarquia e disciplina. Mas, apesar de já haver coronéis mulheres comandando batalhões em São Paulo quando minha turma foi formada, em 83, nunca imaginei que chegaria a este posto. E me senti prestigiada com o convite. Até então, minha expectativa era chegar a tenente-coronel e ir para casa.