Título: A desoneração da folha eleva a competitividade
Autor: Barbosa, Nelson; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 19/07/2009, Economia, p. 30

Secretário de Política Econômica diz que governo pretende reduzir o custo do trabalho no país a partir de 1º de janeiro

ENTREVISTA Nelson Barbosa

BRASÍLIA. O Ministério da Fazenda trabalha contra o relógio para reduzir, a partir de 1ode janeiro, o custo do trabalho no Brasil, por meio da desoneração da folha de pagamento, afirma o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, em entrevista ao GLOBO. Cauteloso, ele diz que ainda é preciso costurar o apoio da Previdência e garantir espaço fiscal. Mas o discurso é político: a equipe que comanda tem feito todos os cálculos para enviar a proposta ao Congresso neste semestre e fazer desta a medida de maior impacto socioeconômico do 2010 eleitoral. Barbosa é um dos maiores interlocutores na Fazenda da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula na sucessão. Perguntado por que a política fiscal está sob bombardeio, rebate: ¿Porque tem gente que não se conforma com esse novo papel do Estado, que acha que desigualdade é um fato da vida, cada um por si e Deus por todos (...) Não dá para governar para apenas um terço da população¿.

Martha Beck

O GLOBO: A política fiscal do governo Lula tem sido fortemente criticada, sobretudo do ponto de vista dos gastos. O senhor acha as críticas justas? NELSON BARBOSA: A questão fiscal está sob controle. Não há qualquer risco. Pela primeira vez na nossa História recente, podemos ter uma ação anticíclica, que é um importante instrumento para combater a crise.

Sempre que você tem uma ação fiscal nesse sentido, aparecem questionamentos sobre como absorver os impactos de mais gastos. No caso do Brasil, acho que há espaço para uma política (fiscal) anticíclica sem criar riscos para a nossa estabilidade. A relação entre dívida e PIB terá um pequeno aumento em 2009, mas sua trajetória de queda vai ser retomada a partir de 2010.

Os críticos da política anticíclica brasileira alegam que ela tem sido feita com base na alta dos gastos correntes e não dos investimentos, que são o instrumento mais eficiente para recuperar a economia. Por que o governo não consegue conter os gastos correntes? BARBOSA: A prioridade desse governo é combater a pobreza e melhorar a distribuição de renda.

Isso implica num aumento dos gastos correntes, sobretudo de transferência de renda.

Quase todo o aumento de arrecadação que o governo teve nos últimos anos foi destinado ao aumento de transferência de renda. Foi o que deu impulso inicial para o crescimento econômico a partir de 2004 e 2005.

Além disso, o gasto com pessoal foi fortemente controlado até 2006. Depois disso, houve uma política de recomposição das carreiras de Estado e de substituição de terceirizados que afetaram as despesas com pessoal, mas que no longo prazo voltarão a ter um crescimento mais moderado.

Mas, num momento de receitas em queda, o governo poderia, por exemplo, ter optado por não reajustar os servidores em função da crise, como estava previsto no acordo com o funcionalismo. Por que isso não ocorreu? BARBOSA: Os reajustes fazem parte de acordos feitos nos últimos anos. Como houve espaço fiscal, o governo optou por manter esses reajustes, que estão concentrados até 2011. Mas, uma vez concedidos, eles não causam risco de longo prazo porque o crescimento vai criar espaço para reduzir o peso dos gastos na economia. Também é importante o projeto que propõe um limite para o crescimento global da folha de pagamentos.

Isso está em análise no Congresso e é algo prioritário. Seria uma boa iniciativa de ser adotada nesse momento para sinalizar que a folha de pagamentos do governo está sob controle, apesar dos aumentos pontuais e recentes que foram feitos. O teto dá mais certeza orçamentária para a administração fiscal.

Na sua avaliação, por que a forma como o governo Lula administra as despesas correntes é tão criticada? BARBOSA: Porque tem gente que não se conforma com esse novo papel do Estado, que acha que desigualdade é um fato da vida, cada um por si e Deus por todos. Hoje, 49% do gasto primário da União equivalem a transferências de renda por meio de programas como Bolsa Família, Previdência Social, Loas (assistência social). O Estado assumiu um papel cada vez maior como agente de redução da desigualdade. Isso mudou o Brasil, proporcionou a entrada de milhões de brasileiros na economia formal e algumas pessoas consideram que essa não é uma função do Estado. Todas as modernas democracias do mundo têm uma rede de proteção social bem desenvolvida. O Brasil está construindo a sua. Os resultados têm sido altamente positivos.

Como diz o presidente Lula, não dá para governar para apenas um terço da população.

O governo tinha como plano chegar ao déficit fiscal nominal zero (pagamento de todos os gastos, incluindo juros, com a arrecadação) em 2010. A crise atrapalhou isso. Qual seria a importância de se atingir esse indicador? BARBOSA: Isso é mais um símbolo do que um número em si.

Economicamente, faz pouca diferença ser zero ou próximo de zero. O que eu considero mais importante é ter a regra de ouro, pela qual uma economia pode ter déficit desde que ele corresponda ao seu montante de investimentos estratégicos, que representam aumento da produtividade.

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) já é uma iniciativa nessa direção, pois seus gastos podem ser excluídos do resultado primário.

Mas os investimentos públicos são muito baixos quando comparados às despesas correntes.

Eles representam 5,2% do PIB, enquanto as despesas com pessoal e encargos equivalem a 26,7% do PIB.

BARBOSA: Desde o lançamento do PAC, os investimentos vêm crescendo a taxas de mais de dois dígitos. Eles vêm se tornando cada vez mais importantes.

Este ano, até maio, haviam subido mais de 20%. É claro que o ritmo de execução de algumas obras do PAC pode ter problemas ou atrasos, mas, como um todo, o investimento pago vem se acelerando desde 2007.

O presidente Lula disse recentemente que a economia fechará o segundo trimestre crescendo a um ritmo de 4%.

Quais são as expectativas da equipe econômica? BARBOSA: Achamos que o crescimento do segundo semestre será mais forte. As expectativas do Ministério da Fazenda e do próprio mercado são de uma taxa de crescimento entre 1% e 1,5% no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre, o que dá uma taxa anualizada acima de 4%. E, ao fim do ano, a economia vai estar crescendo a um ritmo entre 4% e 5%.

O que o Brasil precisa para terminar o ano nesse ritmo de crescimento? BARBOSA: É preciso haver uma recuperação do nível de atividade no segundo semestre, que já foi afetado pela redução das taxas de juros pelo Banco Central. Poderia haver ainda espaço para redução dos juros, mas isso é atribuição do BC e a gente não comenta. O que também pode fazer diferença é o ritmo de execução dos investimentos.

Quando o governo vai fazer a desoneração da folha de pagamento das empresas? BARBOSA: Esse é um projeto considerado prioritário para o governo. Ele aumenta a formalização e a arrecadação no médio e longo prazos. A desoneração da folha também eleva a competitividade no Brasil, especialmente nos próximos anos, quando a abundância de recursos naturais tende a valorizar nossa taxa de câmbio. Estamos analisando a possibilidade de prosseguir com isso. Se houver espaço fiscal, vamos discutir com outros ministérios e, havendo consenso, vamos encaminhar uma proposta ao Congresso neste semestre, para entrar em vigor no início de 2010.

O senhor acha difícil que haja espaço fiscal para a desoneração da folha? BARBOSA: Ele é reduzido, especialmente se sofrermos com o impacto de despesas não previstas na Previdência (como a derrubada do veto de 2006 de Lula à extensão do reajuste do mínimo a todos os aposentados e pensionistas do INSS) e com o destino, caso envolvendo o créditoprêmio de IPI para os exportadores (que pode resultar num rombo de quase R$ 300 bilhões para a União).

"O Estado assumiu um papel cada vez maior como agente de redução da desigualdade . Isso mudou o Brasil."