Título: O Brasil pode trazer uma abordagem nova
Autor: McConnell, Jack; Valle, Sabrina
Fonte: O Globo, 19/07/2009, O Mundo, p. 35

Enviado especial do premier Gordon Brown defende papel mais forte do país na resolução de conflitos mundiais

Jack McConnell, representante de Gordon Brown para mecanismos de resolução de conflitos e ex-premier da Escócia, diz que o Brasil, com sua diversidade e neutralidade, tem grande papel a desempenhar no mundo do século XXI. Logo após sua primeira visita a uma favela, onde jogou bola com meninos do Espaço Criança Esperança, no Cantagalo, McConnell disse ao GLOBO que negociações como a do programa nuclear do Irã podem ser mais frutíferas se envolverem o Brasil. Ele defende a reforma da ONU e maior presença do país em órgãos multilaterais, mas, por enquanto, encoraja apenas a discussão sobre um assento no Conselho de Segurança.

Sabrina Valle

O GLOBO: O que o senhor levará de volta para casa? JACK McCONNELL: Primeiro, uma compreensão pessoal muito melhor do Brasil e de sua diversidade.

Estou particularmente interessado na contribuição que o país, com sua experiência, pode dar ao resto do mundo. O exemplo atual é o Haiti. A força de paz do Brasil está fazendo um excelente trabalho junto com ONGs como Viva Rio, por exemplo, trabalhando não só para manter a paz, mas para ajudar a reconstruir a comunidade.

E beneficiar que países? McCONNELL: Há uma afinidade natural com países de língua portuguesa e, na ONU, o Brasil tem uma responsabilidade especial com Guiné Bissau. Cidades na África Subsaariana têm problemas parecidos com os de grandes cidades brasileiras. A experiência em grandes e esparsas áreas rurais, como a região amazônica, também pode ser muito útil para países africanos maiores que também enfrentam problemas como desmatamento e dificuldade de acesso. O Reino Unido e o Brasil, de preferência sob o guarda-chuva da ONU, poderiam trabalhar de forma muito mais próxima. Talvez com o suporte financeiro que já damos a países e o suporte cultural, a experiência, as ideias e a criatividade do Brasil.

Obama mostrou interesse em que o Brasil mediasse as conversas sobre o programa nuclear do Irã. O quão eficaz pode ser a mediação brasileira? McCONNELL: O governo brasileiro precisa considerar o grau de envolvimento, pois precisa decidir com o que pode efetivamente contribuir. Mas, ao mesmo tempo, podemos ter esperança de que a credibilidade do governo brasileiro em todo o mundo e os valores que o Brasil representa possam trazer uma abordagem nova, talvez neutra, em discussões em partes muito complicadas do mundo. Se as negociações fossem lideradas por europeus, americanos ou por instituições internacionais, que têm status privilegiado para alguns de nós, elas poderiam não ser tão frutíferas quanto se envolvessem o Brasil. O país tem um potencial de fazer uma contribuição muito positiva para o mundo no século XXI. Como um dos maiores países do mundo, uma grande economia, um país com um certo simbolismo, uma atração cultural... Certamente damos as boas-vindas para o Brasil sentar-se à mesa, em diferentes cenários, e ajudar o mundo a avançar.

Que mesas especificamente? Já chegaram a anunciar a ¿morte do G-8", há discussões em vários organismos internacionais, no Bird, no FMI, e o Brasil aspira um assento permanente no Conselho de Segurança...

McCONNELL: No momento, cada fórum tem seu papel. O Reino Unido tem agido de forma particularmente forte para ver as economias emergentes representadas nas discussões dos ¿Gs¿. É importante para nós, mas também para o mundo. Os problemas econômicos e sociais não podem mais ser resolvidos por um pequeno grupo de países.

Na ONU há um debate sobre o Conselho de Segurança. O Brasil tem um argumento muito forte sobre tornar-se membro. Nós encorajamos a discussão sobre a reforma da ONU.

E candidaturas? McCONNELL: Encorajamos a discussão. Talvez sejamos um dos países que vão ajudar a encontrar um consenso. Não expressamos preferência por um resultado em especial, mas encorajamos a discussão, acreditamos na reforma da ONU.

Quando isso pode acontecer? McCONNELL: Há três áreas em que o mundo precisa se organizar melhor: nas finanças, e vimos isso com a crise; nas mudanças climáticas, e temos alguns meses até a Conferência de Copenhague; e na área de conflitos, desde grandes, como o do Afeganistão, até pequenos conflitos que têm impactos imensos em países pequenos. Não há prazos, mas há um senso de urgência.

O Reino Unido perdeu 15 soldados no Afeganistão em menos de um mês, botando pressão em Gordon Brown para a retirada. Qual é a posição? McCONNELL: O compromisso internacional no Afeganistão tem um propósito. Nunca haverá desafio de curto prazo. A alQaeda ameaça o mundo e inclusive os valores do Brasil. Talvez essa diferença de valores seja uma das maiores do mundo.