Título: Depois de filho, nora de Sarney é indiciada
Autor: Carvalho, Jailton de; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 17/07/2009, O País, p. 4

O CONGRESSO MOSTRA AS SUAS ENTRANHAS: Reservadamente, presidente do Senado classificou ação da PF de "perseguição"

BRASÍLIA, RIO e SÃO LUÍS. Um dia após indiciar Fernando Macieira Sarney, um dos filhos do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a Polícia Federal indiciou ontem Teresa Cristina Murad Sarney, mulher do empresário, por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro. Uma das sócias da empresa São Luís Factoring, Teresa foi indiciada após ter sido interrogada pelo delegado Márcio Anselmo, na Superintendência da PF de São Luís. A PF investiga, em três inquéritos, o suposto envolvimento de Fernando e Teresa com movimentação financeira ilegal, entre outros crimes.

A partir dos três inquéritos, abertos ao longo da Operação Boi Barrica, a PF também indiciou, quarta-feira, Tucydedis Frota, Marcelo Aragão e Walfredo Dantas, supostos sócios de Fernando Sarney na organização da Marafolia, o carnaval fora de época que acontece em São Luís há 15 anos. A PF suspeita que a organização da festa e a São Luís Factoring eram usadas para lavagem de dinheiro.

No depoimento, Teresa negou irregularidades nas transações financeiras da São Luís, da Marafolia e da Gráfica Escolar, outra empresa da família Sarney.

Tarso nega relação com crise: "É um inquérito antigo"

Em outros dois inquéritos, instaurados também a partir da Boi Barrica, a PF investiga desde caixa dois nas eleições de 2006, no Maranhão, até irregularidades na Ferrovia Norte-Sul.

Reservadamente, o presidente do Senado demonstrou ter ficado muito abalado com o indiciamento do filho. A interlocutores, teria classificado a ação da PF de "perseguição política". Para Sarney, o indiciamento neste momento foi uma forma de tentar enfraquecê-lo ainda mais. Em público, porém, prefere o silêncio sobre o assunto.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que abertura de processo contra o filho do senador é resultado de uma investigação que chamou de "normal e ordinária" da Polícia Federal, com o acompanhamento do Ministério Público Federal. Perguntando sobre a coincidência entre o indiciamento de Fernando Sarney e as denúncias contra o senador, disse que o inquérito é anterior à crise no Senado:

- Se tem coincidência, ela pode vir da crise em direção ao inquérito. Esse indiciamento não é um adiantamento de culpa nem de imputação, mas uma sinalização de que centenas de pessoas no país respondem a processos em cima de determinados fatos concretos que nada têm a ver com o momento político do país. É um inquérito antigo, que a imprensa denuncia há quase um ano.

As investigações da PF começaram em 2006, com um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre dois saques, no total de R$2 milhões, feitos por Fernando Sarney às vésperas do segundo turno da eleição em que Roseana Sarney (DEM) foi derrotada por Jackson Lago (PDT) na disputa ao governo do Maranhão.

Parte do dinheiro teria passado pelas contas da TV Mirante, da Gráfica Escolar e do empresário Eduardo Lago até chegar a Fernando Sarney. Teresa e Fernando disseram que o dinheiro é fruto de um empréstimo feito em 2006, que já teria sido pago. Os recursos teriam sido declarados à Receita Federal. A empresária explicou que a São Luís faz operações de aporte financeiro às demais empresas da família, o que explicaria as transferências de dinheiro de uma empresa para outra. A polícia quer interrogar Ana Clara Murad Sarney, neta de José Sarney, que está em viagem ao exterior.

PF: "organização atua como um câncer no poder público"

Segundo o relatório da PF, Fernando Sarney chefiava uma organização que "atua há vários anos como um câncer nas estruturas do poder público". Além de Fernando, a PF aponta como cabeças do esquema três indicados pelo senador Sarney para o setor elétrico: o ex-ministro Silas Rondeau (integrante do Conselho Administrativo da Petrobras), Astrogildo Quental (diretor financeiro e de Relações com Investidores da Eletrobrás) e Ulisses Assad (diretor de Engenharia da Valec).

Escutas telefônicas realizadas pela PF demonstram como agia o grupo para obter vantagens financeiras, a ponto de, num dos grampos, comemorar-se a indicação de Ronaldo Ferreira Braga para a diretoria comercial da Manaus Energia, controlada pela Eletrobrás. Ao telefone, Astrogildo Quental diz a Fernando Sarney que já fechou a diretoria da Manaus Energia com o ministro Edison Lobão, e que nem comentara com Ronaldo Braga, pedindo a Fernando que lhe desse a notícia.

Segundo o Ministério Público Federal, "o grupo criminoso precisava de alguém na Manaus Energia que agilizasse os pagamentos pendentes de contratos celebrados entre aquela empresa e a Raesa Rio Amazonas Energia, que, apesar de estar em nome de laranjas, também é de propriedade do grupo".

O grupo pressionou o ministro Edison Lobão. Conversas telefônicas entre Gianfranco Perasso e Flávio Lima, amigos de Fernando, revelam até onde ia o esquema. A PF resumiu a conversa: "Gianfranco diz para Flávio pressionar Lobão (ministro) em relação às pendências deles, para receber o Citibank em audiência, para apresentar o banco de investimentos na área de energia e conseguir um mandato, pois há uma empresa líder mundial que já tem um negócio engatilhado, e aí, quando a empresa e o banco forem montar a operação, todos ficam sabendo que saiu por causa deles (Gianfranco e Flávio)".

COLABOROU: Isabela Bastos

(*) Especial para O GLOBO