Título: Golpe do IPI
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Fonte: O Globo, 17/07/2009, Opinião, p. 6
O governo foi o primeiro a recorrer ao artifício, e, agora, por iniciativa de parlamentares, isso poderá se tornar uma rotina na tramitação de medidas provisórias: emendas e substitutivos que embutem "contrabandos" no texto original da lei. Como uma MP destinada a dinamizar a construção de habitações populares pode, simultaneamente, tratar do restabelecimento de créditos-prêmios de IPI às exportações extintos há muitos anos? Foi o que aconteceu com a aprovação da medida provisória 460.
Além de transformar a legislação em um saco de gatos, esse tipo de artifício confunde a opinião pública, e lança ainda mais suspeitas sobre os propósitos dos parlamentares. A questão do crédito-prêmio de IPI é grave. O incentivo - o exportador se creditava mais do que o IPI que recolhera - foi criado numa época em que as exportações brasileiras se concentravam em pouquíssimos produtos. Perdeu o sentido - e se tornou financeiramente inviável para o Tesouro - quando o objetivo da diversificação das vendas externas foi alcançado. Além disso, o recuo se mostrava necessário para atender a regras que já prevaleciam no comércio internacional. O Brasil era vulnerável a acusações de concorrência desleal. A Fazenda argumenta que tais créditos-prêmios valeram até 1983, o que foi contestado na Justiça por algumas empresas, que desejam estendê-los até 2002. Como a tendência dos tribunais superiores tem sido a de concordar com a argumentação da Fazenda - o desfecho do caso depende apenas do Supremo -, os interessados tentaram buscar um acordo, recusado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Diante do fracasso, o lobby do crédito-prêmio passou a explorar brechas no Legislativo. E, com êxito, pois a questão virou um "contrabando" na MP do programa de habitação popular.
Ora, o valor reivindicado oscila entre R$62 bilhões e R$288 bilhões, cifras capazes de inviabilizar o país do ponto de vista fiscal. Se os recursos estivessem disponíveis, provavelmente dariam para resolver o problema habitacional brasileiro em poucos anos. Como é um feitiço que se virou contra o feiticeiro, o governo Lula deveria restabelecer o objetivo da MP aprovada pelo Congresso, e orientar sua base parlamentar para que tais "contrabandos" não retornem travestidos em novos substitutivos e emendas de medidas provisórias. E, ainda, voltar atrás na intenção de negociar com este lobby no Congresso. Um governo que tanto poder demonstra para lutar por interesses políticos no Senado deveria usar esta força na defesa da responsabilidade fiscal, ao não admitir que incentivos já revogados ressurjam como um esqueleto bilionário.