Título: No site do ministério, desempregado vira vagabundo
Autor: Câmara, Juliana
Fonte: O Globo, 16/07/2009, Economia, p. 28

Para consultar o seguro-desemprego, trabalhador tinha que digitar palavras também ofensivas como "frouxo", "potranca" e "saliente"

Juliana Câmara

Quando o economista Marcos Costa entrou no site do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para consultar o andamento da sua solicitação do seguro-desemprego e viu as letras dispostas na tela (tipo "caça-palavras") pelo sistema de verificação para consulta de dados, achou que se tratava de uma piada de mau gosto. A palavra que deveria ser digitada para que a pesquisa continuasse era "vagabundo". Ofendido, o economista, que estava desempregado há um mês, escreveu para o Eu-Repórter, a seção de jornalismo participativo do jornal O GLOBO.

"Se é uma forma de evitar consultas por robôs, tudo bem. Mas ter a infeliz ideia de colocar essa palavra numa consulta que será feita por alguém que está desempregado é um desrespeito. Lembro que o PT não gostou quando o (ex-presidente) Fernando Henrique chamou os aposentados com menos de 50 anos de vagabundos. Agora, o atual governo faz o mesmo com quem está desempregado no meio de uma crise econômica mundial?", escreveu Costa.

Uma busca no site do ministério ofereceu outras surpresas. "Potranca", "frouxo", "perua" e "saliente" foram palavras encontradas e que tornaram a consulta ao seguro-desemprego, no mínimo, curiosa. O aplicativo utilizado pela Datamec, empresa terceirizada que presta serviços para o ministério, apresentava na tela uma folha semelhante a um caça-palavras com códigos circulados, dos quais apenas um forma uma palavra em português. O usuário deveria identificá-la e digitá-la.

A geração dos códigos era feita de forma aleatória, a partir de um repertório composto por aproximadamente 4 mil palavras coletadas de um dicionário eletrônico. Mas, depois que a reportagem mostrando a ocorrência de palavras constrangedoras foi publicada no site do GLOBO, ontem à tarde, o Ministério do Trabalho alterou a forma de consulta às informações do seguro-desemprego.

O ministério também procurou se retratar publicamente: "Pedimos desculpas aos trabalhadores usuários pelos inconvenientes, e comunicamos que o objetivo do MTE é sempre prestar o melhor serviço aos cidadãos, corrigindo os eventuais erros neste atendimento". Além disso, a partir do fim da tarde, o sistema de "caça-palavras" tinha sido substituído por combinações aleatórias.

Para a gerente de projetos de Tecnologia da Informação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Suraya Pires Daltro, esse problema é inaceitável num site de tamanha visibilidade, como o de um ministério:

- Por mais que tenha sido sem querer, eles têm que prever estas ocorrências.

Segundo Kauê Linden, diretor da Hostnet, empresa de hospedagem de sites, este tipo de problema pode ser facilmente evitado com a utilização de filtros, ainda mais num universo limitado, em termos de

tecnologia, como o de 4 mil palavras. Ele alerta, no entanto, que a questão vai além do constrangimento aos trabalhadores.

- A utilização de códigos que misturam letras e números, e exigem que o usuário digite apenas as vogais, por exemplo, garante a maior segurança do sistema.

O problema no site do Ministério do Trabalho despertou grande interesse dos internautas. Até as 19h de ontem, a reportagem publicada no site do GLOBO havia sido lida por 300 mil visitantes únicos.