Título: PF: transações na casa de Sarney
Autor: Garrone , Raimundo
Fonte: O Globo, 18/07/2009, O País, p. 3

APolícia Federal afirma em relatório que o empresário Fernando Sarney utilizou a residência de seu pai, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em Brasília para intermediar negócios da incorporadora Abyara, sediada em São Paulo, com a Caixa Econômica Federal. Fernando Sarney foi indiciado pela Polícia Federal, na quarta-feira passada, por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, entre outros crimes. O empresário Paulo Nagem, amigo de Fernando, foi indiciado ontem pela PF.

Escutas telefônicas feitas pela polícia na Operação Boi Barrica - aberta em 2006 para investigar saques de R$2 milhões feitos por Fernando em meio à campanha eleitoral - revelam que o filho de Sarney fez tráfico de influência, junto ao governo federal e usando indicados pelo pai para cargos públicos, para obter benefícios financeiros. Fernando Sarney nega as acusações.

A reunião na casa de Sarney, entre diretores da incorporadora Abyara e o vice-presidente de Pessoa Física da CEF, Fábio Lenza, indicado para o cargo pelo senador, teria ocorrido no dia 5 de março de 2008. O próprio Fernando liga para Lenza, para dizer que já está em Brasília, e que o "pessoal" está a caminho da casa de seu pai, onde era aguardada a chegada do vice-presidente da CEF.

O relatório da PF não detalha os interesses da Abyara, mas relata diversas conversas telefônicas entre Fernando Sarney e o empresário Paulo Nagem. Numa delas, Nagem - indiciado ontem - diz que a incorporadora Abyara quer uma "recomendação" junto à Caixa.

- Mas que tipo de recomendação querem? - perguntou Fernando.

- Rapaz, ele só falou recomendação, assim algum negócio de financiamento grande com a CEF. Eu acho que é alguma coisa muito grande deles - respondeu Paulo.

Um outro vice-presidente da Caixa, Jorge Hereda, também é citado: teria participado de uma reunião com diretores da Abyara em São Paulo, em 15 de fevereiro de 2008.

Depois de supostamente facilitar os negócios da Abyara com a Caixa - que afirmou à época que as negociações foram totalmente legais -, Fernando recebeu patrocínio para a apresentação do Circo da China em São Luís, que ocorreu de 14 a 16 de março de 2008, dez dias após a reunião.

O patrocínio de R$250 mil da Abyara foi confirmado por Walfredo Dantas, um dos laranjas da empresa Marafolia, que promove vários eventos em parceria com a TV Mirante, da família. Segundo a PF, a empresa é na verdade do casal Fernando e Teresa Murad Sarney - também indiciada pela PF pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro.

Numa conversa com um de seus funcionários, identificado como Márcio, Fernando Sarney revela, antes de conseguir o patrocínio, que o grupo costuma superfaturar produções. Márcio atende o telefone:

- Diga, chefe.

- Márcio, esqueci de te dizer o mais importante. O cara da Abyara se encontrou comigo ontem em São Paulo e me disse que quer tudo, que o Marafolia foi maravilhoso. Vamos mandar o Circo da China para ele?

- Beleza.

- Prepara hoje mesmo que eu mesmo encaminho, e fala comigo à tarde.

- Tá certo.

- Eu acho que dá pra gente ver. Quanto é que nós estamos pedindo lá na Vale?

- Nós estamos pedindo na Vale 500 mil... fechado. Mas o valor do projeto mesmo é 200 mil.

Segundo relatório do Ministério Público Federal, apesar de haver apenas indícios sobre a ilicitude de tais transações, "não há como negar que essa conduta poderia muito bem ter como objetivo mascarar o recebimento de valores ilícitos, ou seja, pode ser o meio utilizado para tornar oficial o recebimento de determinado valor por parte dos envolvidos, de modo a torná-lo "limpo"".

Em 2007, depósitos de R$2,4 milhões

As relações de Fernando Sarney com a incorporadora paulista são antigas. Segundo a PF, de agosto a novembro de 2007, foram depositados na conta conjunta de Teresa Murad e Ana Clara Sarney (mulher e filha de Fernando) pela Abyara um total de R$2,44 milhões. "Que transação poderia ter sido realizada entre as partes que justificasse esses depósitos?", estranha a PF em seu relatório, que ainda observa que, sempre no dia seguinte ao crédito, havia um débito de grande parte do valor creditado.

O dinheiro era sacado em cheques e destinado para a TV Mirante (R$750 mil) e para a São Luís Factoring (R$1,2 mi), que para o MPF é uma "empresa de fachada, servindo apenas como instrumento para o cometimento de crimes".

O relatório da Polícia Federal foi produzido em agosto de 2008, quando do pedido de prisão de Fernando Sarney, de sua mulher e de sua filha, além de outras 14 pessoas. O pedido foi negado pelo juiz federal substituto da 1ª Vara Federal de São Luís, Nejam Milhomem Cruz.

Em outubro do mesmo ano, a Abyara - que entrou em dificuldades financeiras após as investigações - divulgou nota rebatendo as acusações da PF. Disse que os depósitos na conta de Teresa e Ana Clara Sarney referem-se à compra de um terreno. De acordo com a empresa, a escritura de compra e venda do imóvel foi lavrada em 15 de agosto de 2007, tendo sido contabilizados os pagamentos realizados pela companhia em favor dos vendedores.

A incorporadora confirmou a celebração de um protocolo de intenções com a CEF, mas afirmou que tudo foi feito dentro da lei. Sobre os patrocínios, explicou que eles tinham o objetivo de divulgar sua marca em São Luís.

As investigações da PF já mostraram que Fernando Sarney também tentava interferir em negócios e fazer indicações para a Eletrobrás, estatal de área de grande influência de Sarney no preenchimento de cargos. Os advogados de Fernando Sarney não foram localizados para comentar.