Título: É de embrulhar o estômago
Autor: Damé, Luiza; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 16/07/2009, O País, p. 3

Para caras-pintadas, foto de Lula abraçado com Collor causa ainda mais descrença na política

Cláudia Lamego e Adauri Antunes Barbosa

RIO e SÃO PAULO. Decepcionante. Triste. Desconfortante. Uma facada. Uma traição. Nojo. Em poucas palavras, representantes da geração que foi às ruas em 1992 pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor resumiram seus sentimentos ao ver nos jornais, ontem, a foto do presidente Lula abraçando o antigo adversário. Caras-pintadas como o escritor Marcelo Moutinho, que era militante do PT à época, se disseram indignados com os elogios de Lula ao senador Collor, 17 anos depois:

- É de embrulhar o estômago. Hoje (ontem), quando vi a primeira página do GLOBO, encontrei mais um motivo para desacreditar na política. Não que fique surpreso, porque concessões, em nome do pragmatismo, até são compreensíveis. Mas há imagens simbólicas, e essa é uma delas. Pragmatismo tem limite. Há concessões que vão além do pragmático: são uma facada na própria biografia dele (Lula), e em quem acreditou nele, por consequência.

Anteontem, em Alagoas, Lula abraçou Collor e disse que precisava fazer justiça com o ex-presidente e o líder do PMDB, Renan Calheiros, que "têm dado sustentação muito grande ao governo no Senado".

Moutinho lembra que, na época das passeatas do Fora Collor, ele tinha o cuidado de, mesmo como petista, pedir aos colegas de faculdade que não usassem o broche do partido nas manifestações.

- Meu argumento era de que aquilo não era um movimento de um só partido, mas de indignação de toda a sociedade - diz Moutinho, que tinha 20 anos em 1992.

O historiador Renato Motta Rodrigues da Silva, hoje com 38 anos, também ficou decepcionado. Embora admita que votaria em Lula outra vez, se tivesse oportunidade, ele disse que se sente desconfortável ao ver o presidente apoiando pessoas como Collor.

- Fizemos muita mobilização pelo impeachment de Collor, que era o contraponto da nossa utopia de mudar o Brasil. Foi a última grande manifestação estudantil e política no Brasil. Ver o presidente Lula ao lado dele é muito decepcionante - diz Renato, que é carioca, mas mora atualmente em Recife e é arquivista da Universidade Federal Rural.

Para a atriz Inês Viana, que afirma ter votado "a vida inteira em Lula", o gesto do petista é uma traição aos seus eleitores.

- Eu me sinto traidíssima e fico completamente decepcionada. O Brasil não pode esquecer tudo o que Collor fez. Dá até pânico pensar que ele pode voltar a ser eleito, e com apoio do Lula, que não precisa disso. O nosso presidente tem apoio de 80% da população, e é triste que esteja fazendo esse papel - disse a atriz, que, em 1992, estava começando a fazer teatro no Rio e integrava uma companhia dirigida por Aderbal Freire Filho.

A hoje escritora Thalita Rebouças tinha 17 anos, estava no terceiro ano do ensino médio e foi a muitas passeatas, algumas com o pai.

- Eu vestia uma camisa do Brasil, pintava a cara e ia feliz. Fui cara-pintada empolgada, e tive o maior orgulho de ir para a rua gritar pelo que eu achava ser o melhor para o país. Naquela época, acreditava que Lula podia mesmo fazer a diferença. Quanta ingenuidade! Hoje, ao ver a foto dele com Collor nos jornais, além de revolta e nojo, eu senti uma enorme impotência. Muito triste.

Líder dos caras-pintadas no colégio Mater Dei de São Paulo em 1992, Alexandre Sayad disse que achou a foto "bárbara":

- Ela é muito simbólica do que acontece hoje na política.

Também com 17 anos na época, o carioca Carlos Zambrotti analisou:

- Em Alagoas, o Lula tinha que elogiar o Collor. Acho que ele até ficou um pouco constrangido. Mas isso mostra que não existe aquela coisa de direita e de esquerda que tinha antes. O que existe é a briga pelo montinho, quem vai ficar com o montinho.

Segundo ele, que tem 34 anos, todos de sua família votavam em Collor na época, o que não o desanimou a participar do movimento dos caras-pintadas, uma experiência que considerou fundamental em sua vida.

Procurado, o hoje prefeito de Nova Iguaçu, o petista Lindberg Farias, um dos líderes dos caras-pintadas na época, não retornou as ligações do GLOBO.

No dia 13 de dezembro de 1994, os jornais estamparam a repercussão da absolvição de Collor pelo STF - ele já tinha sido afastado pelo impeachment no Congresso. Lula, que tinha sido derrotado por Collor, dizia: "Como cidadão brasileiro que tanto lutou para fazer a ética prevalecer na política, estou frustrado, possivelmente como milhões de brasileiros. Só espero que, na esteira da maracutaia da anistia para Humberto Lucena (ex-presidente do Senado envolvido em caso de impressão irregular de panfletos na gráfica da instituição), não apareça um trambiqueiro querendo anistiar Collor da condenação imposta pelo Senado".

COLABOROU: Marita Boos