Título: A cobiça do pré-sal
Autor: Cabral, Sérgio
Fonte: O Globo, 21/07/2009, Opinião, p. 7

O Estado do Rio de Janeiro produz mais de 80% do petróleo brasileiro. Se fosse um país, seria um dos maiores produtores de petróleo do mundo. O petróleo é uma riqueza para o bem e para o mal. Se por um lado gera vultosos recursos financeiros, por outro, por se tratar de uma indústria extrativa, finita por natureza, causa enormes passivos ambientais e socioeconômicos.

Os estados produtores de petróleo e gás sofreram uma enorme injustiça quando da elaboração da Constituição de 1988. O sistema de pagamento de ICMS sobre produtos adotado pela Constituição foi o de pagamento ao estado de origem do produto, com duas exceções: petróleo e energia elétrica. Diante disso, os estados produtores não recebem um centavo de ICMS pelo petróleo que é extraído dos seus territórios, porque o imposto é pago no estado de destino.

Para compensar os danos socioeconômicos e ambientais que a indústria do petróleo causa, a Constituinte criou os royalties, que consistem no pagamento à União e aos estados e municípios produtores de um percentual do preço do barril de petróleo extraído. A esse sistema foi adicionada posteriormente a participação especial, incidente apenas sobre as grandes plataformas de petróleo, que consiste no pagamento à União e aos estados e municípios produtores de um percentual sobre o lucro que a plataforma tiver gerado.

A descoberta das enormes quantidades de petróleo na camada de pré-sal da Bacia de Santos e nas plataformas continentais de Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, gerou uma fase de enorme otimismo quanto ao futuro do Brasil, mas também gerou cobiça dos demais estados quanto à riqueza proporcionada pelo óleo.

Surgiram vozes pelo Brasil afora sustentando que seria justo que todos os estados partilhassem dessa riqueza, inclusive usando como argumento um pretenso mau uso dos royalties por parte de alguns municípios.

São argumentos que não resistem a uma rápida reflexão. Devemos apenas pôr fim aos royalties que, eventualmente, algum gestor público tenha utilizado mal? Devemos, então, extinguir o ISS por que vários municípios também não usam bem os resultados desse tributo? O povo deve ser penalizado pelo equívoco de algum mau gestor? No Estado do Rio de Janeiro, os recursos são muito bem utilizados, já que a totalidade é usada para o financiamento do sistema previdenciário e para projetos ambientais.

É equivocado também o argumento de que os demais estados não compartilham da riqueza do petróleo. No caso dos royalties, cerca de 47,5%, e, no caso da participação especial, 50% da arrecadação vão para a União Federal, que pode usar esses recursos para projetos de desenvolvimento no restante do país. Além disso, a regra do pagamento do ICMS no destino já é um enorme sistema de distribuição da riqueza do petróleo aos estados não produtores. Para se ter uma ideia, o Estado do Rio de Janeiro perde ano cerca de R$ 8 bilhões de arrecadação de ICMS conta dessa regra.

Se compararmos o valor dessa perda com a média de recebimentos do Estado do Rio de Janeiro com royalties e participação especial nos últimos oito anos, que é de R$ 4 bilhões, verificaremos que os royalties e a participação especial nem mesmo compensam a perda tributária do Estado com a exceção do pagamento do ICMS no destino. Não sobra, portanto, nada para compensar o Estado pelos danos ecológicos e socioeconômicos causados pela indústria do petróleo, que seria a razão de ser dessa compensação econômica.

Mudar a regra do pagamento de royalties e participação especial para a riqueza do pré-sal consistiria em uma segunda agressão aos estados produtores de petróleo, que causaria uma grave quebra do pacto federativo, pois consistiria em uma verdadeira expropriação das riquezas desses estados e municípios, sem qualquer compensação.

O Estado do Rio não quer os resultados da soja do Centro-Oeste, do etanol do interior de São Paulo, do minério de Minas Gerais, da energia elétrica de Itaipu, dos benefícios da Zona Franca de Manaus, dos incentivos da Sudene, mas não abre mão do que lhe cabe de direito.

Como governador do Estado do Rio de Janeiro, liderarei a luta até o fim das nossas forças contra qualquer tentativa de lesão ao patrimônio do nosso Estado.

SÉRGIO CABRAL é governador do Estado do Rio de Janeiro.