Título: Israel e Irã cortejam Brasil
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 21/07/2009, O Mundo, p. 24

Polêmico chanceler Lieberman chega hoje ao Brasil, que será 1º destino de Ahmadinejad no exterior

Em meio ao crescente isolamento no cenário internacional, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, chega hoje ao Brasil na primeira parada de uma viagem de dez dias pela América Latina. Na primeira visita de um chanceler israelense a Brasília em 22 anos, a delegação tem pela frente a tarefa de fortalecer os laços políticos e econômicos, considerados por analistas locais "amigáveis, mas problemáticos" e, sobretudo, tentar brecar a aproximação do Itamaraty com o governo do Irã, do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Numa ação claramente planejada, a embaixada do Irã em Brasília anunciou ontem, um dia antes da chegada de Lieberman ao país, que o Brasil será o primeiro país a ser visitado por Ahmadinejad em seu segundo mandato, conquistado numa polêmica eleição, que gerou protestos da oposição e uma violenta reação do regime.

Tido como uma figura controversa e pouco diplomática tanto em Israel como no exterior, Lieberman foi alçado ao topo da Chancelaria numa negociação política que permitiu ao premier, Benjamin Netanyahu, formar um governo estável de coalizão. Lieberman se reunirá com o ministro do Exterior, Celso Amorim, e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além de discutir as relações comerciais entre os países, que chegam a US$2 bilhões por ano, estarão em pauta ainda os apelos brasileiros por um papel mais ativo na mediação do conflito palestino-israelense.

Segundo o porta-voz da chancelaria israelense em Jerusalém, Yigal Palmor, o objetivo da visita é promover um "alinhamento" das relações entre Brasil e Israel, incentivando o diálogo. Cuidadoso na escolha das palavras, Palmor reafirmou que Israel vai advertir o Brasil sobre o perigo representado pelo regime do Irã, mas sem interferir na política externa do país.

- Há boas relações, mas muitas divergências. Não esperamos concordância, mas compreensão. Queremos explicar nossos pontos de vista. Quanto ao Irã, nossa advertência é geral. Não somos os únicos a condená-lo. Trata-se de um país perigoso, que não joga de acordo com as regras do tabuleiro mundial - disse o porta-voz.

Fontes ligadas ao Gabinete confirmaram ao GLOBO que, além da iminente visita do presidente do Irã a Brasília, o governo israelense vê com preocupação a crescente parceria entre o governo brasileiro e a Autoridade Nacional Palestina (ANP). Além da doação de cerca de US$20 milhões para ajudar na reconstrução de Gaza, o fato de o presidente Lula ter ido diversas vezes ao Oriente Médio e ainda não ter feito uma visita ao país também desagrada.

Depois de passar por EUA, Rússia e diversos países europeus, a comitiva israelense chega ao país marcando os 100 dias do atual governo.

Para analistas, a viagem será uma das maiores provas de fogo do chanceler israelense. Além de esperar uma recepção pouco calorosa dos líderes sul-americanos (após a guerra na Faixa de Gaza em janeiro, Bolívia e Venezuela romperam suas relações com Israel) e de muitas divergências políticas, Lieberman terá que mostrar muita habilidade para mudar sua imagem antiárabe. Aos 50 anos, ele tornou-se a nova estrela da política israelense nas últimas eleições, com seu partido conquistando 15 cadeiras no Parlamento e se tornando o terceiro maior do país.

Formado em ciência política, Lieberman é considerado um radical de direita e é conhecido por declarações controversas e até mesmo racistas. A favor da transferência de palestinos para a Cisjordânia, o ministro alega que é preciso reduzir o número de árabes com cidadania israelense. Os árabes que se recusassem a ir para a área da ANP deveriam ser submetidos a "testes de lealdade" ao Estado judeu.

Ele se posiciona contra as negociações com a ANP e o desmantelamento de assentamentos judeus, e rejeita qualquer negociação envolvendo a divisão de Jerusalém, como querem os palestinos. Ele próprio é morador de uma colônia na Cisjordânia, e pode ser considerado o grande ícone do impasse que vem colocando em xeque as relações entre os governos do premier Benjamin Netanyahu e do presidente americano Barack Obama: muitas palavras de estímulo e boa vontade, mas nenhuma ação ou disposição prática para desocupar as terras palestinas na Cisjordânia e retomar o processo de paz.

Dono de uma imagem bastante negativa nos EUA e na Europa desde que assumiu o Ministério do Exterior, o chanceler já protagonizou algumas situações constrangedoras. Em visita a Paris, o colega francês, Bernard Kouchner, optou por não realizar uma coletiva de imprensa após a reunião com o israelense. Na Alemanha, ele foi recebido num restaurante pelo chanceler, Frank-Walter Stenmeier. Na viagem a Washington, ao contrário do premier Netanyahu e do ministro da Defesa, Ehud Barak, Lieberman foi a única figura do primeiro escalão israelense a não ser recebida no Salão Oval por Obama. Recentemente foi a vez do presidente francês, Nicolas Sarkozy, quebrar o protocolo e sugerir a Netanyahu que "se livrasse" de seu chanceler. Sarkozy teria comparado Lieberman ao político de extrema-direita francês Jean-Marie Le Pen.

Brasil deve manter posição de neutralidade

Em Brasília, mesmo sob críticas, o governo brasileiro decidiu manter a neutralidade em relação às duas controvertidas visitas ao Brasil. Em ambos os contatos, as autoridades brasileiras têm como orientação do Palácio do Planalto e do Itamaraty defenderem o diálogo e a resolução de conflitos pela paz.

Sobre Ahmadinejad, a visita para vir ao país continua de pé, afirmam os diplomatas.

- Falta apenas ele dizer quando vem, para que as agendas sejam compatibilizadas - disse uma fonte do Itamaraty.

Já a visita do chanceler israelense ocorrerá por iniciativa do governo de Israel. Segundo fontes da diplomacia israelense, o chanceler vem preparar a visita do presidente Shimon Peres ao Brasil, prevista para novembro, e também dizer a Lula e a Amorim que existe a determinação do país de valorizar mais a importância do Brasil junto à comunidade internacional.

O que será música para os ouvidos de Lula é que Israel considera que o Brasil teria papel de destaque num acordo de paz no Oriente Médio, envolvendo os palestinos. Esse projeto vem sendo articulado não apenas com os israelenses, mas também com os demais países da região.

COLABOROU Eliane Oliveira, de Brasília