Título: O drama de Cristina
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2009, Mundo, p. 20

Com popularidade na casa dos 29% e perspectivas desanimadoras diante da crise financeira global, a presidenta antecipa as eleições legislativas. Oposição vê oportunidade para afastar o ¿casal K¿ do poder

Hoje o coração da Argentina vai parar. Os funcionários dos hospitais de Buenos Aires decidiram interromper o atendimento por 24 horas, e os professores das escolas públicas declararam uma greve que dura até amanhã. Os trabalhadores portenhos pedem aumento salarial (defasado há dois anos) e mais orçamento para saúde e educação. As manifestações aparecem como um claro protesto contra o prefeito da capital, Mauricio Macri, eleito pela frente Proposta Republicana e opositor do Partido Justicialista, da presidenta Cristina Kirchner. Macri tem de se preocupar com outro problema: Cristina apresentou um projeto de lei ao Congresso para antecipar a data das eleições legislativas de outubro para 28 de junho.

O adiantamento das eleições, nas quais devem ser escolhidos 129 deputados e 24 senadores de oito províncias, complica os planos da oposição, que negocia alianças para tirar o casal Kirchner do poder. ¿Nenhum país sério muda suas leis em função da economia¿, reclamou o prefeito de Buenos Aires. Cristina defende que ¿seria suicida¿ ficar em campanha eleitoral até o fim do ano em um cenário de crise global. ¿A leitura que se faz é de que quanto mais o tempo passar, mais cairá a popularidade do governo e mais riscos haverá do oficialismo perder as eleições¿, analisa o sociólogo argentino Raúl Bernal-Meza para o Correio.

Nem o prefeito nem a presidenta estão em seu melhor momento político. Segundo a consultoria argentina Poliarquía, Cristina, mulher do ex-presidente Néstor Kirchner, assumiu o poder em dezembro de 2007 com um índice de aprovação de 56%. Agora, a imagem positiva está em 29%, e a rejeição em 41%. Vários fatores explicam a queda de popularidade de presidenta, além da crise com o campo iniciada no ano passado, quando Cristina tentou aumentar os impostos sobre as exportações de grãos, como a soja e o trigo.

¿Quando a inflação começou a subir, em janeiro de 2007, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec) interveio para falsificar os números¿, recorda o economista argentino Agustín Trombetta em entrevista ao Correio. ¿Em outubro de 2008, o governo anunciou a estatização da Administradora dos Fundos de Aposentadorias e Pensões (AFJP, em espanhol). A partir daí, gerou-se muita desconfiança e uma forte saída de capitais da Argentina ¿ mais de US$ 20 bilhões¿, diz Trombetta.

Marionete No início do governo, os argentinos se perguntavam quem governava realmente o país e 49% apontavam o ¿casal K¿. ¿Agora, estão começando a dizer que quem governa é Néstor. Ela é a marionete. Quem toma as decisões mais pesadas é ele¿, conta Trombetta. ¿No entanto, publicamente, não houve sinal de um curto-circuito ou uma fissura na relação entre eles.¿

Para o economista, Cristina tenta agora recuperar as rédeas do país e de sua imagem. No governo, segundo Trombetta, há dois tipos de funcionários: os que estão mais próximos dela e os que estão mais próximos de Néstor. ¿No caso das negociações com o campo, os que estão fazendo concessões são os funcionários dela e não dele. E existe o medo de que os funcionários dele compliquem a situação¿, diz o analista econômico.

O cientista político argentino Carlos Escudé confirma que a popularidade da presidenta diminuiu ainda mais com a crise internacional. ¿O povo responsabiliza o governo da vez. Além disso, a partir do conflito com o campo armou-se um aparato de imprensa anti-Kirchner muito eficiente¿. O professor explica que algumas das lideranças provinciais do Partido Justicialista (peronista) estão fortemente entrelaçadas com o setor agrário. ¿O grave conflito rompeu consensos prévios no interior do peronismo.¿

Escudé avalia que a presidenta já fez concessões ao campo, mas que as bases das organizações de produtores rurais querem mais. ¿Se ela fizer mais concessões, vão lhe pedir ainda mais, porque são histericamente anti-K. Além disso, o governo não pode deixar de arrecadar impostos.¿