Título: Itaipu: Brasil abriria mão de parte da dívida do Paraguai
Autor: Tavares, Mônica; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 24/07/2009, Economia, p. 23

Montante seria assumido pelo Tesouro para financiar obras no país vizinho. Valor pago por direito de cessão triplicaria

BRASÍLIA, ASSUNÇÃO e LUQUE, Paraguai. Como última cartada, o governo está disposto a abrir mão de parte da dívida ¿ cerca de US$ 12 bilhões ¿ do Paraguai pela construção da usina binacional de Itaipu, financiada pelo Brasil. O débito seria assumido pelo Tesouro Nacional, que se compromete a aportar montante equivalente em um Fundo de Desenvolvimento Social, que financiaria obras e projetos paraguaios.

A medida visa a apaziguar os ânimos dos negociadores paraguaios, que não se conformam com o fato de todas as ações propostas pelo Brasil precisarem passar pelo Congresso, o que demanda tempo.

Parte da área jurídica do governo entende que, assim, não será necessário o aval do Legislativo brasileiro. A dívida de Itaipu chega a US$ 18 bilhões, sendo dois terços com o Tesouro.

Não se sabe qual seria o valor do fundo, mas o das obras propostas, com linhas de transmissão, é de US$ 1,7 bilhão.

Outra medida seria triplicar o valor anual pago ao Paraguai pelo direito de cessão de energia ¿ remuneração pela obrigação de vender o excedente ao Brasil ¿ de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões.

O clima com os paraguaios não está bom, porque apenas a venda de energia no mercado livre por duas usinas paraguaias (Acaray e Iguazu) não passaria pelo Congresso. O Brasil se dispõe a comprar toda a produção dessas usinas, a fim de evitar que a energia de Itaipu seja colocada no mercado livre brasileiro imediatamente ¿ o que mudaria o tratado da década de 1970.

Indústria paraguaia diz que oferta é `espelhinho¿ O Brasil estaria disposto a negociar apenas uma alteração parcial e de longo prazo, permitindo a venda direta no mercado livre gradativamente, até 2023, quando o acordo será revisto.

Mas os paraguaios não se conformam com as medidas não serem imediatas. Eles também insistem no reajuste da tarifa ¿ por ano, são comprados em torno de 5 mil MW, por cerca de US$ 1,5 bilhão ¿, mas o Brasil argumenta que só pode mexer no valor de cessão obrigatória. A concessionária Ampla, do Estado do Rio, prevê impacto na tarifa, mas não sabe de quanto.

Paralelamente às negociações, cresce a pressão para que o presidente paraguaio, Fernando Lugo, amplie suas exigências nas conversas, esta noite e amanhã, com Luiz Inácio Lula da Silva.

Setores chegam a sugerir que Lugo seria tachado de traidor se não for suficientemente duro.

¿ A abertura do mercado e a oferta de créditos para o Paraguai construir linhas de transmissão de energia são nada mais do que espelhinhos, como os que os espanhóis usaram com os índios ¿ disse Eduardo Felippo, vice-presidente União Industrial Paraguaia.

Em palestra intitulada ¿Itaipu, uma causa nacional¿, o advogado Gustavo de Gásperi foi aplaudido ao sugerir que, em vez de negociar, Lugo deveria levar o caso a um tribunal internacional.

No mesmo evento, Germán Escauriza, da Comissão de Entes Binacionais Hidrelétricos, disse que a dívida do Paraguai pela construção de Itaipu já está paga.

Hoje haverá uma manifestação no Centro de Assunção, para pressionar Lugo.

Logo no início da 37aReunião do Mercosul, ontem, em Luque, vizinha à Assunção, o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Héctor Lacognata, deu o clima das discussões: ¿ Hoje o desencanto com o Mercosul é generalizado.

(*) Enviado especial