Título: Fim da recessão?
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 02/08/2009, Opinião, p. 7

Apesar da magnitude da atual crise ¿ segundo o FMI, ¿uma recessão sem precedentes na era posterior à Segunda Guerra Mundial¿ ¿ seu impacto sobre a economia brasileira, embora severo, foi muito menor do que o de crises anteriores muito mais brandas, como as ocorridas na década passada.

A consistência dos fundamentos econômicos construídos pelo governo Lula e sua pronta reação, acionando uma série de medidas para fazer frente à contração do crédito interno e externo e da demanda externa, foram decisivas para evitar o alastramento da crise.

Foram disponibilizados recursos para o financiamento das exportações e de compromissos externos das empresas, num montante superior a US$ 45 bilhões. Os bancos públicos ampliaram a oferta de crédito, adicionaram-se R$ 100 bilhões aos recursos do BNDES e liberou-se uma parcela de R$ 99,2 bilhões do compulsório para reforçar a liquidez.

Ampliaram-se também os recursos para o Plano Safra e para o financiamento habitacional. O reajuste do salário-mínimo foi antecipado e estendeu-se a cobertura do seguro desemprego a sete semanas.

Modificou-se a tabela do IRPF para beneficiar os contribuintes de menor capacidade econômica e ampliouse a abrangência do Bolsa-Família.

Reduziu-se a carga fiscal sobre a produção de automóveis e motos e itens da linha branca e sobre insumos e materiais para a construção civil. Lançou-se um programa de habitação popular com subsídios de R$ 16 bilhões para segmentos com renda inferior a três saláriosmínimos e preservou-se o volume de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, no mesmo valor nominal de 2008. E a taxa básica de juros caiu para 8,75%.

Embora essas medidas não tenham impedido a queda do PIB por dois trimestres seguidos, desde abril passado há sinais promissores de reativação da economia e, a partir de maio, se consolida o fim do período recessivo: desbloquearamse o crédito e financiamento externo; aumentaram a produção, o consumo de energia elétrica e o grau de utilização da capacidade instalada na indústria; e diminuiu a taxa de desemprego nas regiões metropolitanas, além do aumento do emprego formal.

As novas medidas anunciadas pelo governo em fins de junho passado vieram dar sequência a esse esforço.

Além da extensão, até o fim do ano, dos estímulos fiscais anteriores, foi reduzido ou zerado o IPI para 70 itens de bens de capital. E se estabeleceram diversas medidas de desoneração financeira para a aquisição e produção de bens de capital e para inovação tecnológica.

Evidentemente, há problemas complexos a serem equacionados como a recuperação do investimento privado ¿ e o cenário internacional, apesar de melhoria recente, continua incerto, com o comércio internacional em nível bastante inferior ao do período pré-crise. Mas o fato relevante é que o país construiu capacidade para implementar políticas anticíclicas consistentes e sair na frente na retomada pós-crise: reduziu a vulnerabilidade externa e a fragilidade fiscal, recuperou a capacidade de planejamento estratégico do Estado e, via uma combinação inédita de crescimento e redistribuição de renda, consolidou um mercado de consumo de massas que permite crescer para dentro e continuar reduzindo a pobreza. Será preciso atenção com a apreciação do câmbio e o equilíbrio fiscal pós-crise.

Dois indicadores são emblemáticos dessas mudanças. Antes, tínhamos que recorrer aos empréstimos do FMI e submeter-nos a suas condicionalidades.

Hoje, emprestamos US$ 10 bilhões para apoiar suas ações de socorro aos países mais afetados. Antes, nas crises, eram jogadas na pobreza milhões de pessoas.

Foi assim em 1982/83 (6,7 milhões ), em 1989/90 (3,8 milhões de pessoas) e em 1998/99 (1,9 milhões).

Hoje, apesar da crise, o número de pobres diminuiu. Segundo o Ipea, entre outubro de 2008 e abril deste ano, 316 mil pessoas saíram da pobreza nas grandes cidades brasileiras. Fato inédito que sinaliza um futuro promissor para o Brasil pós-crise.