Título: MP: grupo tem posição privilegiada em estatais e órgãos de fiscalização
Autor:
Fonte: O Globo, 02/08/2009, O país, p. 10

Valec é suspeita de fazer vista grossa a superfaturamento de 30% em dormentes; estatal diz aguardar notificação oficial

SÃO LUÍS. Nas interceptações telefônicas captadas pela Polícia Federal com autorização judicial, os policiais identificaram conversas entre uma auditora interna da Valec, Márcia da Silva Barros, e o diretor de engenharia da estatal, Ulisses Assad, que, no entendimento da PF, demonstram manipulação na fiscalização em benefício do grupo ligado a Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDBAP).

O relatório do Ministério Público Federal constata que as fraudes são facilitadas por pessoas que têm cargos importantes em estatais. Essas pessoas seriam indicadas pelo grupo político ligado à família Sarney.

O texto do Ministério Público atesta: ¿As fraudes na execução são possíveis porque o grupo criminoso, além de ser composto de membros que estão em posição privilegiada dentro da Eletrobrás, Petrobras e Valec, ainda possui colaboradores dentro dos órgãos de fiscalização, como, por exemplo, Márcia da Silva Barros, auditora interna da Valec, Ricardo de tal (não identificado), que trabalha na Controladoria Geral ou no Tribunal de Contas da União, e Ezequiel de tal (não identificado), o que permite que as próprias fiscalizações in loco sejam manipuladas¿.

Num dos trechos captados, há suspeita de que a fiscalização da Valec fez vista grossa sobre uma diferença entre o que foi colocado, de fato, de dormentes na Ferrovia Norte-Sul e a medição.

Auditoria do Tribunal de Contas da União realizada no ano passado apontou que, em alguns casos, há sobrepreço de até 30% nesse quesito. Uma conta feita pelos auditores sugeriu que há um superfaturamento de R$ 194 milhões somente na compra dos dormentes.

Na gravação que envolve Ulisses Assad e Márcia, ela tenta fazê-lo ver que havia uma boa diferença no trecho medido e no que ia ser pago. O relatório do Ministério Público Federal descreve a conversa desta maneira: ¿Márcia pergunta se ele (Ulisses) viu o resultado do levantamento (dos dormentes).

Ulisses diz que viu, que é de 0,5% (meio por cento) de diferença. Márcia diz que, se ele não falar em porcentagem e mostrar em 50 km, só dois (km) foram a favor deles; o resto tudo foi contra e, se multiplicar pelo valor do dormente, dá uma diferença de R$ 260 mil. Ulisses diz que é 0,5%, que é normal, que está dentro da norma, que é de 1%, que são 83.520 dormentes¿.

Segundo o texto do MP, há preocupação do grupo com a fiscalização do TCU: ¿Márcia estranha que em 50 só dois a favor deles, que achou isso complicado, que acha que vai dar um texto retumbante, porque dois a favor deles (2 km) e 48 contra (48 km), Márcia acha que eles vão fazer um belo carnaval (o TCU). Márcia comenta que o Oscar (TCU) foi de mesa em mesa perguntando coisas e que Márcia perguntou a ele se ele ia continuar fazendo aquilo e que ele respondeu: a minha carteira permite.

Ulisses, depois de conversarem sobre o assunto, insiste que 0,65% não é preocupante. Márcia fala que houve uma subcontratação registrada em documento diário de obra o lote 7¿.

Em outro trecho, Márcia pede cautela a Ulisses, de acordo com o relatório do MPF: ¿Márcia dá um conselho para Ulisses, para ele se conter, diz que quem está mandando nesta fiscalização não é o Ricardo, que ele não tem autoridade agora não, que depois, sim, e é para deixar porque acha que não vai ter problema¿. Acreditase que seja uma referência a Ricardo Eustáquio, ex-secretário de Controle Externo do TCU, que está sendo investigado pelo tribunal por suposta ligação com o grupo de Fernando Sarney. Sindicância interna do TCU apontou supostas falhas e discrepâncias em relatório de Eustáquio sobre a Ferrovia Norte-Sul.

A servidora Márcia Barros foi afastada de suas funções até a conclusão da comissão de sindicância instaurada para apurar se ela ajudou o grupo.

Sobre o diretor Ulisses Assad, a assessoria de imprensa da Valec informou que ele continua no cargo e que a estatal não teve acesso ao processo do Ministério Público Federal. Diz a assessoria: ¿Até o momento, todas as informações referentes ao inquérito em referência têm chegado ao conhecimento da Valec pelas notícias veiculadas pelos meios de comunicação.

Não existe, portanto, nenhuma informação oficial à empresa, por parte de qualquer órgão do poder judiciário ou da própria Polícia Federal, que confirme a participação do diretor da Valec em atos/esquemas que justifiquem seu afastamento do cargo¿.

(Chico de Gois)