Título: Na Norte-Sul, sobrepreço de R$ 500 milhões
Autor:
Fonte: O Globo, 02/08/2009, O país, p. 10

CGU assume apuração de irregularidades em obra iniciada no governo Sarney, que já consumiu R$ 1,5 bilhão

Chico de Gois

Enviado especial

SÃO LUÍS. A Controladoria Geral da União (CGU) assumirá esta semana sindicância interna instaurada na Valec Engenharia, responsável pelo acompanhamento das obras da Ferrovia Norte-Sul, para apurar denúncias de várias irregularidades, inclusive sobrepreço de quase R$ 500 milhões no orçamento da obra. Seriam R$ 595 mil a mais por cada quilômetro construído.

Na sexta-feira, o ministro Jorge Hage enviou ofício ao presidente da empresa, José Francisco das Neves, informando-o da decisão. A sindicância interna foi aberta em dezembro do ano passado pela estatal, até agora sem resultados.

Inquérito da Polícia Federal, na Operação Boi Barrica, de outubro de 2008, acusa o diretor de Engenharia da estatal, Ulisses Assad, de integrar uma ¿organização criminosa¿, da qual faria parte Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). De acordo com a PF, o grupo teria como objetivo superfaturar e direcionar obras na Valec, além de atuar no setor de energia.

Só em dois trechos da ferrovia, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) detectaram sobrepreço de R$ 466 milhões, cerca de R$ 595 mil por quilômetro. Por isso, em abril conselheiros do TCU referendaram uma decisão que já haviam tomado: a retenção de parte dos pagamentos às empreiteiras.

Fiscalização falha ou inexistente

A CGU, que desde meados de 2007 acompanha a construção da ferrovia, também apontou vários problemas. As irregularidades identificadas coincidem com o que constataram técnicos do TCU e com o que aponta relatório da PF com base em escutas telefônicas legais.

Planejada pelo então presidente da República, José Sarney, e citada no escândalo que atropela a família por conta de flagrantes de escutas realizadas pela PF, a Ferrovia Norte-Sul teve início em março de 1987 e até 2005 vinha se arrastando vagarosamente.

Com o presidente Lula, ganhou impulso. Do traçado original de 1.550 km, entre Açailândia, no Maranhão, a Anápolis, em Goiás, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aumentou sua extensão, no ano passado, em mais 1.526 km. Até agora, a obra já consumiu R$ 1,5 bilhão, e a estimativa é que sejam necessários mais R$ 3 bilhões para a conclusão.

A CGU identificou, por exemplo, ¿deficiência ou inexistência de fiscalização¿ da obra. Diálogos captados pela PF mostram uma fiscal da Valec, Márcia Barros, e Ulisses Assad, diretor da estatal, falando sobre como favorecer empresas ligadas ao grupo de Fernando Sarney. A CGU apontou ainda pagamento a mais com base em medições incorretas, liquidação e pagamento por obras não realizadas e subcontratação não comunicada.

Na Operação Boi Barrica, a PF revelou que, no trecho entre Santa Isabel e Uruaçu, em Goiás, a Constran repassou à Lupama e à Empresa Industrial Técnica (EIT) 33,3% da obra. As duas seriam ligadas ao esquema de Fernando. A segunda não tem sede nem empregados.

No trajeto entre Aguiarnópolis e Palmas, com extensão de 504 quilômetros, os conselheiros do TCU impuseram que a Valec retenha 10% dos pagamentos a serem realizados. Nesse trecho, os auditores apontaram sobrepreço de R$ 294 milhões.

Já entre Anápolis e Uruaçu, em Goiás, o TCU mandou a Valec deixar de pagar 40% de cada medição.

Segundo técnicos do tribunal, houve sobrepreço de R$ 172 milhões nesse contrato.

Em abril, o conselheiro do TCU e relator do processo, Aroldo Cedraz, desconsiderou pedido da construtora Camargo Correa, uma das que atuam na ferrovia, para que revisse a medida que determinou a suspensão de pagamento de 40% dos valores auferidos nas medições. Os técnicos apontaram irregularidades nos contratos com as construtoras, como direcionamento do processo licitatório; ausência da retenção de tributos, pela Valec, quando do pagamento às empreiteiras; deficiência do projeto básico e sobrepreço decorrente de BDI (despesas indiretas da obra) excessivo e de preços superiores aos de mercado.

Nos contratos para o trecho Aguiarnópolis-Palmas, os auditores anotaram: ¿O sobrepreço decorre de inúmeras causas, entre as quais o fato de que o orçamento considerou brita comercial e não brita extraída, sobrepreço nos dormentes e BDI muito acima do BDI de referência¿.

O presidente da Valec, José Francisco das Neves, disse, por meio da assessoria de imprensa, que a estatal está cumprindo as determinações do TCU. E nega superfaturamento: ¿A Valec não reconhece a existência de sobrepreço na construção da Ferrovia Norte-Sul, já tendo, inclusive, apresentado a sua defesa, neste sentido, ao Tribunal de Contas da União¿. ¿A Valec também rebateu o relato de sobrepreço dos auditores em relação ao trecho goiano da Ferrovia Norte-Sul e a sua defesa, com toda documentação respaldando sua argumentação, foi encaminhada ao TCU¿, disse em nota.

No que se refere à licitação em referência, diz que a mesma obedeceu à Lei 8.666 (de licitações).

¿Inclusive, foi objeto de fiscalizações anteriores do próprio TCU, sem que fosse apontada qualquer irregularidade.

Além disso, o resultado da mesma conta com respaldo de decisão judicial¿, afirma