Título: Agricultores duvidam de eficácia da MP 458
Autor: Blanco,Pedro Paulo
Fonte: O Globo, 02/08/2009, O País, p. 12

Regularização fundiária no Pará esbarra em falta de fiscalização, violência no campo e litígio de terras

Pedro Paulo Blanco*

BELÉM. Quando chegou a Dom Eliseu ¿ cidade de cerca de 40 mil habitantes no Sudeste do Pará, perto da divisa do Maranhão ¿ para tentar regularizar os 70 hectares onde planta e mora com a família, o agricultor José Domingos Mendonça teve dificuldade para entender a razão que o impediu de preencher os formulários do Incra.

¿ O Joãozinho Americano chegou aqui dizendo que era dono da terra, mas parece que ele vendeu a parte onde eu moro para uma outra pessoa que já morreu, e por isso a terra não tem mais papel. Daí, o pessoal do Incra disse que não sabia como resolver. E acabou que não resolveram ¿ conta José Domingos, citando John Weaver Davis Jr, o Joãozinho Americano, maior latifundiário da região.

O caso é um dos muitos exemplos de como a indefinição fundiária alimenta conflitos agrários na Amazônia. Os históricos problemas fundiários que tanto marcam a vida de quem sobrevive da região estão longe de chegar ao fim com a medida provisória 458, sancionada pelo presidente Lula em junho, na opinião de moradores da Amazônia Legal e especialistas ouvidos pelo GLOBO.

Meta é regularizar 240 mil imóveis até 2013 A intenção do Ministério do Desenvolvimento Agrário é regularizar 240 mil imóveis até 2013. Para isso, o governo criou o programa Terra Legal, que nos próximos três anos realizará mutirões para tentar legalizar posses públicas nos estados do Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. Foi atraído por esse programa que José Domingos tentou, sem sucesso, regularizar sua propriedade.

Do total de lotes estipulado pelo governo federal, 89.785 propriedades estão localizadas em 86 municípios paraenses. A dimensão territorial do Pará enche de dúvidas quem mantém viva a esperança de um dia conseguir o título definitivo da terra onde produz. O agricultor José Ailton Pereira, que ocupa um dos lotes de terra na colônia Rio Bananal, em Dom Eliseu, conta que já foi coagido duas vezes por fazendeiros da região: ¿ Primeiro vieram aqui para matar meu irmão. Ele não estava. Então deixaram recado para todo mundo sair daqui.

Mas se deixar esse lugar vou pra onde? Além de plantar aipim e melancia, Ailton cria algumas galinhas para o sustento da família.

Depois do gole no café que acabara de passar no fogão de barro, desabafa: ¿ Acho que o governo não liga para a gente, não. Até essa nova lei chegar aqui, os fazendeiros da região já expulsaram a gente daqui. Pelo jeito, é só fazendeiro grande mesmo que ganha com o governo.

O pesquisador Paulo Barreto, do instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), acredita que a MP 458 pode intensificar a cultura da invasão. O Imazon é responsável pelo estudo mais completo já feito sobre o território paraense. Alguns dados surpreendem, incluindo o de que a área cartorária do Oeste paraense é três vezes maior do que a extensão territorial.

¿ O governo possui terras públicas que ainda não foram ocupadas e que ele sequer toma para si. A atenção para cuidar desses territórios tem que ser redobrada. Caso contrário, é possível que essa mesma medida seja reeditada daqui a alguns anos ¿ alerta o pesquisador, que também condena a política do governo de conceder gratuitamente alguns títulos de terra.

Para Barreto, mesmo agricultores mais humildes deveriam pagar pelo espaço ocupado para evitar uma futura ¿desvalorização¿ do território amazônico.

Famílias não conseguem nem preencher formulários A situação descrita por Ailton é uma das preocupações de quem vive da terra, já que a desproporção de propriedades deixa o pequeno agricultor vulnerável à violência no campo. O procurador da República no Pará Ubiratan Cazzeta acredita que a regularização é o caminho, mas não vê eficiência na MP 458: ¿ O Estado não tem estrutura para fiscalizar essas propriedades e garantir que a legalização seja justa. A intenção é boa, mas o objetivo está longe de ser alcançado.

Vice-presidente da Federação da Agricultura e Agropecuária do Pará (Faepa), Diogo Naves aponta problemas na lei mesmo que ela fosse cumprida à risca.

¿ A MP 458 não deixa claro que tipo de título será entregue ao agricultor. Caso seja o definitivo, essa pessoa poderá vender a propriedade na hora que bem entender. Basta que um latifundiário compre dez títulos de 1.500 hectares, por exemplo, para aumentar ainda seu espaço.

Outro entrave verificado na prática tem acontecido durante os mutirões do ¿Terra Legal¿.

Em Dom Eliseu, mais de mil famílias sequer puderam preencher os formulários do Incra porque as áreas requeridas são alvo de conflitos ou litígio.

¿ Nem adiantava preencher formulário porque a posse do terreno foi apresentada por outra pessoa. Agora não sei mais o que fazer além de esperar ¿ desabafou Francisco das Chagas, que percorrera 32 quilômetros de chão até a sede de Dom Eliseu.