Título: No Paraguai, não adianta reclamar ao bispo
Autor:
Fonte: O Globo, 02/08/2009, O Mundo, p. 40

Dez meses após chegar à Presidência, Lugo mostra indecisão, não consegue dar rumo ao país e frustra expectativas

José Meirelles Passos

Enviado especial ASSUNÇÃO.

A capital paraguaia permanece uma cidade bucólica. Cães vadios vagam pelas ruas do centro. Pessoas leem jornais sentadas em bancos de madeira nas praças, bebericando mate. O resto do mundo parece estar longe daqui.

Não há pressa para nada.

E, ao que tudo indica, sequer para resolver os problemas que afligem o país.

O presidente Fernando Lugo, há dez meses no poder, ainda não disse a que veio. A impressão é de que ele apenas observa, divaga, filosofa, almeja.

Não age. E quando toma alguma iniciativa prática, o que não é frequente, ela geralmente estanca ou atola no Congresso Nacional, onde a oposição tem ampla maioria.

A sensação é de inércia. Lugo não se dispôs, até aqui, a conversar com os partidos políticos sobre a realidade do país. Martín Chiola, vice-presidente do Congresso, resume a situação de forma adequada: ¿ Até o momento não sabemos para onde vamos, e nem o que queremos.

Federico Franco, o vice-presidente da República, cujas posições não se afinam muito com as de Lugo, admitiu: ¿ Evidentemente não há uma agenda comum (entre o Executivo e o Legislativo) ¿ disse ele ao GLOBO.

Uma das vozes mais influentes na política local ¿ o general da reserva, Lino Oviedo, responsabilizado por duas tentativas de golpe de Estado (em 1996 e 2000), e hoje presidente do partido União Nacional de Cidadãos Éticos ¿ tem um diagnóstico próprio: ¿ O Paraguai está em terapia intensiva.

Sem batina, mas mentalmente ainda bispo Analistas e colunistas políticos, além de diplomatas estrangeiros, coincidem num ponto: a maior contribuição de Lugo ao Paraguai, até aqui, foi em termos de linguagem.

Criou-se um novo verbo, inspirado no fato dele ter sido bispo católico: ¿obispar¿.

Ele é baseado na palavra obispo (bispo, em espanhol), e tem um significado duplo: o principal é ¿manter-se indeciso¿; mas pode também ser usado como substituto para ¿embromar¿. Essas têm sido as atitudes mais frequentes do presidente Lugo.

Diante de questões essenciais, determinantes, ele costuma deixar a decisão para depois.

A sensação generalizada, no empresariado e na classe política, é de que, embora tenha deixado a batina, Lugo continua sendo mentalmente um bispo ¿ que prefere passar mais tempo na residência oficial, curiosamente denominada Mburuvicha Róga (Casa do Cacique, em guarani), do que no seu gabinete no Palácio de López. Ele faz belos discursos, às vezes em tom de pregação, descrevendo os graves problemas do país e prescrevendo soluções, mas sem tomar providências práticas ¿ como se deixasse por conta da Divina Providência mudar a situação, em seu devido tempo.

Nas últimas semanas, o senador Miguel Carrizosa, que preside o Congresso, vem tratando de criar o ¿compromisso democrático¿ ¿ um consenso entre os seis partidos representados no Congresso, em busca de uma única voz para negociar com Lugo.

Um dos principais objetivos é recuperar a credibilidade da classe política, que o próprio Lugo ajudou a manchar, com a descoberta de suas escapadas sexuais enquanto bispo, engravidando pelo menos três mulheres (uma delas menor de idade na época).

Trata-se, no fundo, da perpetuação de um perfil cultural e histórico do país. Afinal, oito dos 45 presidentes paraguaios eram filhos de mães solteiras. E pelo menos 17 deles tiveram filhos ilegítimos. O machismo é aceito sem grandes resistências.

No entanto, o fato de Lugo ser bispo ao engravidar as mulheres teve um impacto moral significativo, em especial depois de ele ter passado toda a campanha eleitoral garantindo total transparência. Diante disso, e da falta de providências que promovam um desenvolvimento econômico estável, não é de se estranhar que mais da metade dos paraguaios esteja saudosa da ditadura do general Alfredo Stroessner.

Segundo o instituto Latinobarometro, 69% deles não se importariam de ter um governo não democrático, desde que este resolvesse os seus problemas econômicos. O produto interno bruto (PIB) do país é de apenas US$ 12,2 bilhões, o que dá uma renda per capita de cerca de US$ 2 mil. E a previsão é de que a sua economia fechará este ano com um crescimento negativo entre 3% e 4%.

Acampamentos indígenas no centro de Assunção Na última terça-feira, quando chegava ao Congresso para entregar uma cópia do acordo bilateral de Itaipu ¿ assinado três dias antes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ Lugo foi questionado pelo GLOBO sobre as críticas de que o país anda à deriva. E saiu pela tangente: ¿ Não costumo responder a opiniões de outras pessoas.

Para realizar as promessas de campanha, centradas na área social, ele precisa de mais dinheiro do que dispõe. O problema é que não consegue sequer lançar mão da única fonte oficial possível, e que no Paraguai ainda é considerada um tabu: o Imposto de Renda da pessoa física.

Isso não existe no país. Apesar de o próprio empresariado ser favorável, o Congresso não a aprova. Aparentemente devido a interesses pessoais: ¿ Um argumento de quem rejeita esse projeto é que não se tem bem clara a posição política desse governo. Há um temor de que os dados econômicos pessoais sejam expostos publicamente, ou de que possam ser utilizados politicamente ¿ disse Carrizosa.

Desesperados, os pobres ¿ a grande maioria indígenas ¿ já transformaram três grandes praças do centro de Assunção em acampamentos. Muitos foram expulsos de suas terras por agricultores ou pecuaristas que adquiriram títulos do próprio Instituto Paraguaio do Indígena.

A corrupção também continua sendo rotina.