Título: ONGs da família na mira de promotora
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 30/07/2009, O País, p. 3

Bom Menino das Mercês e Fundação José Sarney teriam feito triangulação de recursos

SÃO LUÍS. Ao mesmo tempo em que pede intervenção na Fundação José Sarney, depois de rejeitar suas contas, a Promotoria de Justiça Especializada em Fundações, no Maranhão, aponta a mira para outra instituição da família Sarney, também suspeita de irregularidades. A promotora Sandra Lúcia Mendes Alves Elouf deu um prazo de 30 dias para que a Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês (Abom) apresente documentos de sua contabilidade. As duas instituições têm o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), como presidente de honra.

Na análise das contas da Fundação Sarney foram encontrados casos de triangulação de recursos entre ela e a Abom, o que a promotora acha suspeito e, em alguns casos, irregular.

Os auditores da Promotoria verificaram que em 2004 a Secretaria de Cultura do Maranhão repassou R$ 960 mil à Fundação José Sarney para ¿cooperação técnica e financeira para promover, incentivar e apoiar atividades (...) objetivando condições da conservação, divulgação e exposição pública do acervo bibliográfico, documental e museólogo¿. No entanto, R$ 198 mil foram utilizados pela Abom para despesas de manutenção.

¿ Isso é irregular, porque o estado não pode dar dinheiro para manutenção de entidade privada ¿ disse Sandra Elouf.

A promotora registra no processo que a Abom ¿ que recebe patrocínio da Vale para realizar o evento Maranhão Vale Festejar, uma festa junina que ocorre em julho no Convento das Mercês, onde está instalada a Fundação e a própria Abom ¿ repassou recursos para a Fundação e não declarou despesas com o evento: ¿No mês de julho (2004) foi realizado o Maranhão Vale Festejar; entretanto, não foi encontrado nenhum registro contábil do patrocínio apresentado. (...) Não há prestação de contas do evento realizado, apesar de o patrocínio ter advindo de empresa privada¿.

Ainda em 2004, a Fundação José Sarney recebeu mais R$ 500 mil da Fundação Safra. E teria usado R$ 450 mil para aplicação financeira, o que não é permitido. Em 2005, foi a Fundação José Sarney que recebeu recursos da Abom: R$ 81 mil. Essa triangulação é considerada ilegal.

Sandra Elouf verificou que houve desvio de finalidade no convênio entre a fundação de Sarney e a Petrobras, da qual a ONG recebeu R$ 1,3 milhão, dos quais R$ 264 mil foram utilizados para custeio da fundação, como pagamento de INSS, energia, telefone, refeição e limpeza. Isso é proibido.

Por isso, a promotora encaminhou o processo para o Ministério Público Federal, pedindo a intervenção.

Em 2006 e 2007, a Fundação José Sarney acumulou déficit de R$ 688 mil e R$ 450 mil, respectivamente. A promotora diz que uma fundação tem de se garantir financeiramente e está decidida a fazer uma intervenção administrativa na fundação, o que depende de autorização judicial. Desde 2008, ela vem negociando com a direção da entidade mudança no estatuto social.

Pelo atual registro, a entidade pertence a Sarney e a seus sucessores diretos.

Se a ONG vier a ser fechada ou acabar, todo o patrimônio iria parar nas mãos da família ¿ como o cobiçado Convento das Mercês. Já ocorreram quatro tentativas de alterações no estatuto, mas, a promotoria não aceitou as propostas dos Sarney. Na última, o presidente da Fundação, José Carlos Souza e Silva, propôs criar um conselho honorário, composto por três indicados pela família, sendo um deles o próprio Sarney. A promotora se opôs com o argumento de que ¿Fundação não é feudo¿.

Em nota, José Carlos Souza e Silva questionou a reprovação das contas da entidade. Ele afirmou que a reprovação é somente um ato administrativo, sem caráter de condenação, e que as contas da Fundação estão corretas. ¿É de se estranhar que o Ministério Público se manifeste pela `reprovação das contas¿ da Fundação José Sarney, de 2004 a 2007, como se os anos contábeis tivessem se encerrado somente agora¿. A Fundação pretende recorrer à Justiça.