Título: A censura se chama sentença
Autor: Teixeira, Miro
Fonte: O Globo, 04/08/2009, Opinião, p. 7

Em 24 de fevereiro de 1616, atendendo a determinações do papa Paulo V, o tribunal do Santo Ofício colocou o tratado de Copérnico ¿Sobre a revolução dos corpos celestes¿ no rol dos livros censurados, mas ainda assim nós ficamos sabendo que a terra gira em torno do sol.

A censura, a qualquer tempo, é cínica, imoral e inútil.

Veneno usado como detergente apaga manchas, esconde segredos, oculta malfeitorias de autoridades cujas reputações nada mais têm a perder e que, impunes, desqualificam a vida pública e as instituições.

A Democracia odeia a censura.

Recusa-se a com ela conviver e para impedi-la de germinar faz da Constituição o estatuto da liberdade e do direito à informação do povo.

Não existe o Estatuto da Censura.

Demitida das funções no Ministério da Justiça e nas repartições policiais, a censura encarna uma nova personagem sob togas do Poder mais decisivo do nosso País.

Agora, a censura se chama sentença.

E começa a nova vida mais forte do que antes, porque travestida de legalidade. O que resta de credibilidade das instituições sucumbirá à imprudência de impor o silêncio sobre violações aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que regem a administração pública.

Ocultar a transgressão é garantir a impunidade e estimular a fruição do que é público, como se privado fosse.

Com antecipado pedido de desculpas ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, uso parte de seu voto no julgamento de matéria diversa da ora tratada, o Recurso Extraordinário 487.393/RJ: ¿Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.¿ ...¿A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer parcela de autoridade no âmbito do Estado, pois o interesse social, fundado na necessidade de preservação dos limites ético-jurídicos que devem pautar a prática da função pública, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar os detentores do poder.¿ Graças às provas obtidas em investigações da imprensa, processamos e tiramos do mandato um presidente da República e alguns deputados e senadores, apanhados na pilhagem do Tesouro.

O povo é chamado a votar para preencher milhares de cargos em nosso país e tem o direito de conhecer a verdade sobre o comportamento de seus representantes.

A verdade jamais é uma deferência da censura.

O autoritarismo judiciário é embrionário e, por paradoxal que possa parecer, temível, pronto para ganhar musculatura com o aplauso e as gargalhadas debochadas de tantos cúmplices da vida pública.

Copio de ¿Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira¿, do professor e juiz L. G.

Grandinetti Castanho de Carvalho, palavras de Ruy Barbosa: ¿... os que se consagram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro... para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento de seus servidores não cabem mistérios¿ (¿A imprensa e o dever da verdade¿, pág. 75, Edusp).

Neste primeiro momento é sensato acreditar na reação da própria Justiça.

MIRO TEIXEIRA é deputado federal (PDTRJ).