Título: Avanço
Autor: Saboya, Patrícia
Fonte: O Globo, 27/07/2009, Opinião, p. 7

Em meio à grave crise política, moral e administrativa que assola o Senado Federal, tivemos, na última semana, uma boa notícia. Conseguimos aprovar a nova lei da adoção - um instrumento que vai beneficiar milhares de crianças e adolescentes brasileiros que sonham e têm direito a uma convivência familiar saudável e feliz.

Percorremos um longo caminho até chegar ao texto aprovado pelo plenário do Senado, que agora vai à sanção presidencial. O tema foi intensamente discutido tanto na Câmara quanto no Senado com juízes e promotores da área da infância e da juventude, representantes do governo federal, ONGs, organismos internacionais e grupos de apoio à adoção. Portanto, a nova lei da adoção nasce de um rico debate com a sociedade brasileira.

Focada no direito à convivência familiar, já previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a nova lei avança ao estabelecer que o Poder Público esgote todos os recursos para reinserir as crianças em suas famílias de origem. E aqui temos outra importante conquista: o texto introduz o conceito de família extensa, que compreende os diversos graus de parentesco. Se a criança não puder voltar a viver com seus pais, poderá ser acolhida por parentes próximos como tios, avós ou primos.

No entanto, para que essas tentativas de reinserção das crianças em seus lares de origem sejam bem-sucedidas, é de fundamental importância que o Poder Público ofereça instrumentos concretos para que essas famílias tenham condições de se reestruturar, afetiva e financeiramente. Nesse sentido, devem ser adotadas políticas públicas de fortalecimento das famílias, que englobem geração de emprego e renda, além de assistência psicológica e social. Em conversa com o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, sugeri que o governo federal priorizasse a inclusão dessas famílias em programas sociais como o Bolsa-Família e o Minha Casa, Minha Vida. Atualmente, existem cerca de 80 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos - e a maioria está ali em virtude de sua situação econômica.

Apesar de conceber a adoção como uma medida excepcional, a nova lei dá importantes passos para tornar esse instrumento mais ágil, evitando que tantos meninos e meninas permaneçam anos a fio nos abrigos sem perspectiva de ter uma família. O texto modifica diversos prazos. Prevê, por exemplo, que a situação de crianças e adolescentes que estejam em instituições públicas ou famílias acolhedoras seja reavaliada a cada seis meses, devendo o juiz, com base no relatório elaborado por uma equipe multidisciplinar, decidir pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação para adoção. E esses processos devem ser resolvidos em até, no máximo, dois anos.

A nova lei estabelece também a criação e a implementação de um cadastro nacional e de cadastros estaduais de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção. A proposta prevê ainda que a autoridade judiciária terá de providenciar, no prazo de 48 horas, a inscrição das crianças e adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros estaduais e nacional.

Fizemos questão de priorizar a adoção por brasileiros. Mas prevemos na nova lei um cadastro de pessoas ou casais residentes fora do país interessados em adotar, que só será consultado caso não haja brasileiros aptos. Em relação à adoção internacional, aumentamos de 15 para 30 dias o período do estágio de convivência entre a criança e os candidatos a pais, esperando, dessa forma, contribuir para o estreitamento dos laços entre quem vai ser adotado e os postulantes estrangeiros ainda em território brasileiro. Também reforçamos no texto o preceito do ECA de que grupos de irmãos sejam colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, evitando, assim, o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

Todas essas medidas deverão facilitar bastante os processos. Entretanto, é importante lembrar que no Brasil, muitas vezes, a adoção pode levar um período longo demais porque a grande maioria das pessoas prefere crianças menores de 2 anos, brancas e do sexo feminino. Para resolver essa questão, é fundamental investirmos em campanhas públicas maciças de sensibilização da população. A adoção é um gesto supremo de amor, e o amor não precisa ter idade, sexo, etnia ou raça.

PATRÍCIA SABOYA é senadora (PDT-CE) e autora do projeto que deu origem à nova lei da adoção.